Eu não sou ávido freqüentador de festivais de cinema. Comecei, de fato, ano passado, quando fui pela primeira vez à Expectativa/Retrospectiva que ocorre anualmente no Cinema da Fundação. Vi A Casa de Alice, de Chico Texeira. Produção vencedora de alguns prêmios, o que, portanto, fez crescer em mim a vontade de prestigiá-la. É normal entre a grande parte dos espectadores de um festival assistir aos filmes "renomados", de cineastas e atores mais conhecidos. A fundamental função de um festival para mim é, porém, conceder acesso às produções que dificilmente chegarão aos cinemas mais perto de você ou, até mesmo, às locadoras. Assim, procuro sempre o desconhecido (jamais descartando Allen's e Lynch's). Muitas vezes quebro a cara: "que lixo!". Mas o prazer em descortinar espetaculares obras como Cashback (Sean Ellis, 2006) é impagável.
Derivado de um curta (indicado ao Oscar) homônimo do próprio Ellis, o longa inglês é um deleite visual cujo inteligentíssimo roteiro capacita ao diretor tomadas esteticamente desbundantes. Centrado no universo emocional de Ben (Sean Biggerstaff), o filme acompanha o jovem estudante de artes plásticas após o rompimento de sua relação com a namorada e, logo na primeira cena, o cineasta utiliza um slow-motion primoroso que se encaixa perfeitamente com a narrativa do filme e seu tema principal: o tempo. Sem conseguir dormir, Ben arranja emprego em um supermercado e logo cria amizade com seus exóticos amigos de trabalho. Refugiando-se contra a lentidão e a monotonia do passar das horas, Ben imagina poder parar o tempo para assim melhor apreciar a beleza das coisas e suas formas, escapando também da caótica realidade em trânsito.
É este "poder" de Ben o instrumento que Sean Ellis utiliza para criar belíssimas e inovadoras cenas em que o universo, estático, é apenas capaz de ser observado pelo personagem (e, obviamente, por nós). E a nudez exposta em diversos momentos - principalmente na cena do supermercado - jamais é apelativa; é delicada, quase natural, como de fato é aos olhos do personagem-espectador. Igualmente eficiente, o lado cômico de Cashback consegue divertir na medida certa, sem extroplar (deslizando apenas em algumas cenas envolvendo o lutador de kung fu Brian, responsável, no entanto, pela cena mais engraçada do longa).
Utilizando apropriadamente a narração em off, o roteiro de Ellis sempre enfatiza a idéia da importância do tempo e a onipresença deste em nossas vidas. Perceba como o placar do jogo, quando Ben congela o tempo após Jenkins levar uma bolada no nariz, aponta um segundo para o final do mesmo. O que demonstra notória sutileza do diretor, levando em consideração, acima de tudo, a relevância de "um segundo" para uma cena chave do filme, ocorrida em uma festa. Cena esta onde Ben profere uma das melhores falas do filme, quando conclui que "é possível parar o tempo, diminuir seu ritmo, mas não voltar e desfazer algo já feito" (algo do tipo, não lembro palavra por palavra), demonstrando tanto a vulnerabilidade do personagem em questão quanto a nossa, meros espectadores incapazes de interferir na história.
Maior surpresa positiva do festival Expectativa 2009/Retrospectiva 2008, Cashback torna-se memorável e um dos melhores filmes vistos, por mim, esse ano. Grandioso em todos seus aspectos, resta-nos torcer para o dvd do filme habitar o maioria das locadoras no país, possibilitando, assim, maior visibilidade para uma produção capaz de congelar o tempo.
terça-feira, 16 de dezembro de 2008
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Nenhum comentário:
Postar um comentário