Me pego sorrindo. O coração em cambalhotas. Os dentes libertos do cativeiro dos lábios, à mostra, sempre à mostra, mesmo sem você ver. As cargas do trabalho mais leve nos ombros, se durante as tarefas redireciono a mente às tuas gargalhadas dentro do carro. A insustentabilidade do cotidiano amenizada, se o celular vibra e um emoji de coração surge embaixo do teu nome. A paixão, turbina de avião pré-decolagem. O amor, toneladas de aço pairando entre as nuvens. O que é a vida, senão o céu a se alcançar?
No vitrola que era da tua vó e hoje embala nossas noites, o jazz que fiz você admirar. Notas de trompete, tempo após tempo, você me ouvirá dizer o quão sortudo eu sou, por te amar. De Baker a Bouvier, nossas canções de uma vida. Todas em uma sala: aquela dos meus 14 anos, a de quando você comprou seu primeiro allstar, a de quando você chorou sem mim, a de quando eu me arrependi sem fim, a de quando nos amamos, enfim, a trilha de duas existências rabiscadas pela agulha do toca-discos.
À espera de você chegar. Abrir a porta irritada, maldizer a humanidade e pedir que eu não me importe, porque está naqueles dias. Me dar um beijo e se apertar contra meu corpo, porque ali se desfazem guerras. Sentar no sofá, tirar o tênis e rir da minha cara imitando um macaco-prego. Jogar o cabelo pra trás e fechar os olhos, enquanto eu beijo teu pescoço para desarmar o que já está entregue. Teus dentes libertos nos meus, à mostra, dois corações em cambalhotas. Duas vidas em rima.