segunda-feira, 24 de abril de 2017

deixem meus loucos em paz

fora, fora daqui palavras enlatadas, esquecidas, tapadas com a mão que agora abre os dedos para deixar escorrer um salvamento. na escrita se pode tudo. a partir de uma única língua, formar quarteirões de frases conexas ou não, sentido há no peito de quem sente. posso sobrepor sílabas, palavras que queira ajuntar no ralo um porão escuro vigiei desde sempre, ainda menino afeiçoado a perguntas sobre o sofrer nas notas do choro do cão beethoven. criação arte gramática bolas de tênis de um lado para o outro, filhos de pais separados, um texto que nasce para o autor romper, perpetuar a eterna desconstrução de refazer-se, e refazer-se, e desfazer. 

enviar um feedback, ser solícito a filhos da puta, olhar no espelho e, sim, compreender-se um dos filhos da puta que choramingam migalhas, pequenos pombos inventores de máquinas e bíblias sangradas. o santo vinho, o deus-álcool, religiões abastadas no vício dos lares, "afaste-se de mim pessimista infernal!, pois o senhor é meu pastor e eu sou uma ovelha morta de medo do mundo", me dê aqui meus medicamentos fitoterápicos, conexão com a natureza que adoramos decepar. 

Olhou em volta, a praça havia se tornado uma espécie de palco para seu monólogo alucinado. Garotas riam de dentro de seus uniformes da escola, uma mais sensível se excitava, velhas comerciantes depositaram suas mercadorias no chão de areia e observavam Fagundo com inusitada compaixão. Havia homens da lei, noiados, imigrantes secos de distância, uma verdadeira plateia aos pés do poeta arrebatado, do filósofo sem dentes: só voz, garganta seca e uma alma estuprada. 

Fagundo envergonhou-se pois tinha urinado de prazer, tanto prazer em falar. Tapou o ventre com a mochila rasgada e caminhou para fora, fora daqui. Desenlatou-se da praça, esquecido, com as mãos a se cobrir, nada mais escorria, nada mais queria escrever. Debaixo da marquise, procurou uma pedra. Não lembra como conseguiu acendê-la.