sábado, 27 de junho de 2009

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Once I had a cold heart, and it melted.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

HD

sou verme, leão sem dente
a tranquilidade do Rio de Janeiro passado
sou futebol, cinema e rock
o best seller nunca comprado

sou dor, sou sangue sem veia
a insegurança do virgem nu
sou virgem maria, jesus cristo
espírita, evangélico, hindu

sou as possibilidades da minha cabeça
o cruzamento sem sinalização
sou a navalha dos deprimidos
o curativo, a cicatrização

sou a inocência da menininha
a preocupação da mãe e do pai
sou o conselho do psicólogo
o paciente que nunca vai

sou o enigma indecifrável
o cão agonizante que teima em não ir
sou o assopro em meio ao fogo
os automóveis, fábricas a poluir

sou a carência do intocado
a beleza, o mistério do morrer
sou a esperança do aflito
apenas mais um, muito prazer.

vida e morte Américo

A contenção silenciosa de Américo tornou-o em solidão. Eu tive, entre poucos, o privilégio de ouvi-lo. E como era enriquecedor. Américo não era tímido. O mutismo era, sim, opcional e, após entendê-lo, compreensível. Apesar da pouca idade, Américo cansara do cotidiano, das relações humanas. Para ele, tudo exigia o dobro do possível. Os incuráveis valores da sociedade moderna mutilavam, aos pouco e sempre, as forças físicas e mentais do olindense. "A necessidade da eficiência", resumia ele. Ser eficiente no trabalho, na banda, no sexo. E tudo isso o consumia em preocupações que foram a base para o seu exílio. Renegou trabalhos por sabe que, agora ou mais tarde, outro mais competente o fuzilaria (e não era uma questão de pessimismo). O mesmo com as mulheres. Após desastrosa experiência com Rita - e confissões públicas por parte da moça que puseram a imagem de Américo na merda -, ele desistiu, também, dos envolvimentos amorosos. "Se eu não sou capaz, não consigo ser satisfatório, por que tentar? De tanto cair, a chuva pára", disse-me uma vez.

E assim ia, longe do convívio urbano, cantando filmes e transando livros. Hoje, cinco meses após meu último contato, recebi a notícia de sua morte. Perdeu o controle da sua moto, na rodovia chuvosa, e só parou na traseira de um caminhão recolhedor de lixo. Morreu no lixo. Sem mão de amigo ou choro de esposa. Só, no lixo.

domingo, 21 de junho de 2009

a voz

a voz que mais arranca é a de dentro, a da cabeça, a que a boca não ousa falar. a voz que te põe em dúvida, lateja possibilidades e assola o peito de areia. ela, que inabilita os pés de Vitória correrem aos de Paulo. esse som mudo que leva tantos a clínicas de internação, à insanidade, ao suicídio. o perigo da voz de dentro é que ninguém, de fora, escuta.

(e eu nada escreveria se me ouvissem por inteiro).

quinta-feira, 18 de junho de 2009

sunny precious time.

varandas abriram-se ao amanhecer
extasiadas pela nossa brisa
mansa, mantida em sigilo
para que não anoitecesse

o oxigênio compartilhado, dividindo-se em dois
um para cada nariz, e eu zelava
para o seu não abafar
e manter intacta, assim, a serenidade do teu sono

minutos flutuantes acompanhavam-nos
contrariando a ideia de tempo
e permanecíamos, o relógio ignorado
à favor do entrelaço emudecido

a hora chegara, porém
como sempre chega ao sol
que descansa para, n'outro dia, iluminar uma vez mais
o mundo por ele guardado

e até a outra manhã, fica o cheiro
ubíquo, como tua imagem,
na minha mente, que se aloja
e dorme, me deixando acordado.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Amio.

Há indagações batidas. Deus existe? O Brasil tem jeito? Existe vida após a morte? A paz mundial é possível? Entre tantas interrogações, a definição sobre o que é o amor me fascina, em especial. Sempre que alguém profere algo sobre o assunto, calo e escuto. É sensacional a pluralidade de conceitos, a convergência de alguns, a insanidade, para mim, de outros e por aí vai. Lembro-me bem, e acho que para sempre, de uma antiga colega de classe que resumia o amor como "poder dizer eu te amo durante um boquete e não preocupar-se em soar meloso nem promíscuo". Achei fantástica, em específico, a utilização do "meloso". E é, de certa forma, totalmente coerente a afirmação da moça. Mas não gosto de compactar, numa frase ou duas, algo tão gigantesco e desconhecido como o amor. Amor. Quatro letras que causam morte, vida, lágrimas, que nos impede a alimentação e fraqueja nossos atos. Duas vogais somadas a duas consoantes que multiplicam sentimentos mais diversos e rompem barreiras divisórias.

Não ouso defini-lo, só o observo. Entendo o amor como o percurso de um rio. Inicia-se como um fio, e cresce. A nascente se expande e atinge níveis estonteantes. Vêm as tempestades, os galhos, as jangadas, o lixo atirado, os peixes a nadar, a morrer, o sol que banha e evaporiza. Às margens, inúmeros elementos que contribuem para a complexidade do flúmen. Árvores analisam a movimentação aquática, animais deleitam-se com sua beleza e outros apenas a invejam. Alguns têm quedas d'água. Mas, da queda, da violência gravitacional, vem a serenidade, às vezes ensanguentada, porém amena, sem ondas revoltosas nem traiçoeiros ventos. E a fluência estabiliza-se. Uns desembocam em lagos, outros no mar ou noutros rios. Portanto, um rio não acaba. Assim como um amor verdadeiro. Ambos só precisam da confluência, da junção de forças para permanecerem vivos. Se poluírem, paciência. Se a seca intervir, espera. Se é amor, realmente amor, a chuva traz de volta.

domingo, 7 de junho de 2009

the blue bus is callin' us.

corroemo-nos gradativamente sem encostar os dedos nem abrir a boca. o declínio previsto, enfim à vista, se aproxima, dançante como navalhas. o mar que avança. a neve que cobre. o sol que incendeia. não adiantará migrar. a humanidade trancar-se-á nas consequências do presente. jim morrison e os demais deuses retornarão ao inferno e ecoarão, uníssonos, pela derradeira vez:

"this is the end, beautiful friend.
this is the end, my only friend, the end."

the end.

sábado, 6 de junho de 2009

[ between ]

Da parada, eu senti todo o cansaço físico e mental daquele motorista de ônibus. O pescoço lutava para manter erguida a cabeça curvada, sem força, expondo todo o desgaste pelos olhos, sem olhar. Subi, então, no transporte público. E paguei. Contraste ainda maior foi observar, pelos ouvidos, a rotina do condutor. Guiava a máquina ao longo do dia, tarde e noite, chovendo ou queimando e, no fim do expediente, precisava apanhar outro coletivo, agora como passageiro, para, quarenta minutos depois, retornar à sua casa. Para dormir cinco horas, e acordar. Sem querer, mas lutar. Porque a necessidade é uma prisão. Privam-se os direitos, acentuam-se os deveres e a utópica liberdade resume-se à de consumir, ao livre arbítrio de comprar essa ou aquela mercadoria. E a ousadia escancarada é o que mais me revolta. "Life tastes good", diz um slogan da Coca-Cola. Outra marca de bebida nos manda continuar andando, mas como andar se arrancam-nos os pés ? Como têm a cara-de-pau de afirmar que a vida tem um bom gosto quando a porcentagem de pessoas abaixo do nível de pobreza é alardante e continua a crescer?

Ainda dentro do veículo, minutos depois, uma menininha entrou distribuindo escritos do tipo "Minha mãe está doente, tenho 4 irmãos e preciso de dinheiro para alimentos", tão comuns e, para alguns, irritantes ao ponto de negarem, ao menos, segurá-los. Eu, na idade da garotinha, também usava pequenos pedaços de papel, para inventar estórias, no entanto, ou desenhar algo que minha mente infantil criava inocentemente. Acompanhei o trajeto da pequena pelo ônibus e o sorriso dado de presente aos passageiros que contribuíam com algumas moedas fez meu peito apertar-se de uma forma inesperada. Era de uma alegria, para mim, impossível de existir em qualquer humano que se encontrasse em estado semelhante. E o cuidado em guardar as moedinhas na pochete improvisada me fez refletir sobre quão importante seria, para ela, aqueles pequenos objetos de aço inoxidável que, com frequência, esqueço nos bolsos ou simplesmente me nego a usá-los. Me senti um merda e quis não mais pensar. O caminho da faculdade ao meu apartamento é, quase com certeza, o mais reflexivo do dia. Penso, entre avenidas, semáforos e buzinas, tentando entender os congestionamentos da vida. E percebo, na maioria das vezes, que apesar das diversas vias, tudo converge à um túnel interditado. Às vezes acredito nas obras, nos novos viadutos e pontes, mas basta algum tempo para que eu caia, novamente, em buracos.

Chego em casa, enfim. Tento distrair-me em alguém, em algum filme, em alguma canção. Dá certo, algumas vezes. Outras, não. Quando não, trago-me para cá. E desmorono. Em frases lidas por poucos. Em sentimentos sentidos por muitos. Mas tudo bem. Jajá eu reergo, e o dejá-vù sempre volta.