sexta-feira, 25 de setembro de 2009

de que sinto mais falta?

do movimento das nuvens
observado calmamente
por nossas pernas descansadas
no sofá, na cama do lençol azul
como os dias eram sempre saboreados
pressa apenas em amar
há tempos a calma não me visita
aquela, que adormece sem medicação
e transcende aos sorrisos
a nova década por chegar
anseios elevados a dez
porque o mundo nunca esteve tão obscuro
a luz ofuscada pelo sangue, mais preto
do que vermelho
eu vi leões definharem à morte
eles, logo eles,
da garra inesgotável, grudados no concreto devastador
e eu não lembro de algum ter se reerguido
realmente não lembro
me parece, às vezes, que o rumo desandou e não tem volta
simplesmente desistimos
deitamos no campo de batalha e nos entregamos às dificuldades
e os remanescentes guerrilheiros caem,
mais uma vez e sempre,
com o chumbo invadindo-lhes os corpos
buracos entre buracos

o Brasil é uma cavidade que palpita.

(até que me provem o contrário).

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

No retorno do trabalho, um cão. Sem força nos membros inferiores, impossibilatado de locomover-se na avenida, onde suplicava, em uivos, por socorro. Eu era o cão. Ao entrar na casa, me vi inerte, dolorido, alvo de um veículo desgovernado. A colisão. Senti o peso nas faces, mais no peito. O para-choque abrindo o tórax, os faróis.

Que culpa tive se os olhos viram o indesejável? Erro ao definir indesejado aquilo visto? A mente asfixia.

O sossego obstruído por palavras que despedaçaram-me por inteiro. Es tou em pe da ços. Sangue estagnado, não sinto o fluxo nas veias, olhos enegrecidos pela noite irreparável. Vazio. Não vazio, porque a dor preenche. Angustiamente cheio, precisando expelir, purgar estas dúvidas e receios que me rodeiam. Alacridade demolida, o corpo em escombros. Preciso enfrear-me quando o chão faltar aos pés, dosar a virulência da aflição, gota por gota. Viver exige esse controle: não se perder nas variáveis.

(pero los pies duelen).

terça-feira, 8 de setembro de 2009

sentido.

em casa, em cômodos diferentes
é mesmo que transitar

sem a mão que segura
o corpo de cair.

minhas vértebras estilhaçaram
ao som dos mosquitos
enquanto ouvi os passos da madruga urgente
cheia de expectativas
penetrar o quarto apagado
o peito estremeceu, conciso em pingos de suor solitário
trator em declive
a porta não se movia.

os trovões dentro da mente
rememorando a presença de Dira
no quarto ao lado
separados por um pedaço de madeira
e de chão
não senti nada por minutos, exceto as amígdalas
inflamadas de pus e paixão
quanto ardor!
mas a porta continuava intacta.

sentado na cama, esbocei um choro desesperado
porém mantive a seca nos olhos
mentira, chorei certos segundos
o cabelo ainda úmido do banho
tentava esfriar o couro em chamas
a vontade quase incontrolável de invadir o quarto
onde ela dormia com a irmã
esmurrei o travesseiro que ria de mim
junto com a porta, ainda fechada.

pela janela, um vento frio e oco
a lua desaparecida
eu, mais uma vez deitado, lutava contra os impulsos
que se digladiavam nas entranhas
a suculência
o aroma dos cachos
a saliva alucinógena
todos ingredientes para a inquietação noturna
o remédio
eu anseava pelo remédio; Dira, o antídoto amorenado
minha musculatura enfraquecida, cedendo ao cansaço
da espera
quanta espera?
quanto esperaria?
e quando tentei não mais esperar, de olhos ainda abertos
ouvi

a maçaneta.