terça-feira, 31 de março de 2009

É, Marte. Fica por aí mesmo.

Sustentáveis, só os fuzis. O cheiro proveniente dos campos é inconfundível. A areia ensanguentada, a pólvora, os excrementos, os cadáveres, tudo liquidificado em uma só cavidade. As folhas, mortas também, deslizavam em uniforme. Nada, na guerra, tem vida. Os gritos não comprovam a existência de vida, mas sim sua ausência.

Numa rara tarde, enquanto sentia pingos de chuva em minha nuca (ou eram de sangue?), me deparei com algum tipo de magnólia, enraizada naquele terreno arenoso, observando, na sua solidão, os feridos que por ali passavam em direção à enfermaria. Pensei em colhê-la, mas preferi deixar intacto. Talvez, dali, ela pudesse florescer, nos corações humanos, a serenidade necessária para um convívio em paz.

Minutos depois, fomos atingidos por uma bomba. Escapei por pouco. Ao me virar, percebi que o explosivo tinha caído exatamente nas proximidades de onde a flor se encontrava. Voltei, desolado, ao meu posto. Nossa artilharia já entrara em combate, em seguida seria minha vez. Disparos confundidos com berros. Companheiros desmembrados, inimigos implorando por ajuda.

E eu, da trincheira, avistando a tal liberdade.

quinta-feira, 26 de março de 2009

O texto mentiroso

O funambulismo que é te ver
instável, sem chão
fez do desequilíbrio minha rotina
descortinada, apenas, nas madrugadas de sangue
que é quando as angústias tornam-se rios
salgados de dor, da inércia
da completa ausência de sons e movimentos

Porque eu falo, mas sou mudo
que apenas profere futilidades
sobre o show perdido
ou o assunto da prova
mas o assunto martirizante
cuja prova sei de cor
não vem à tona

Quanta tempestade, meu Pai, faço dessa goteira
é só deixar as cordas vocais trabalharem, instruídas pelo peito
Grita, coração sem alma!, estronda o mundo com teu fervor congelado

Eis, aí, a dificuldade extrema
Porque o último filme de Eastwood discuto com segurança
Comicidades diárias, comento brincando
A boca, entretanto, se auto-costura
quando, da mente, frases com teu nome ameaçam fugir do meu controle
o túnel é interditado.

Ainda tento, com os olhos, expressar o indizível
Sem resultados; retina estúpida!
O que me resta? Me resta a vida
a ser vivida amarguradamente
sem tua epiderme na minha

Descarrega, morena, o revólver no meu peito
sem dó, sem hesitar.
Em seguida o abra e, atenta, recolha o bombardeante músculo
e guarde, morena
porque, um dia, ele te conta
por quem ele insistia em bater.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Aquela velha história.

Saudade do que não tive
Do gol na final em que não joguei
Do filme de um roteiro imaginário
Saudade do esquecimento

Porque, ao lembrar da vida, como ela realmente é, me afundo em concreto.


"Era uma vez, a história de um homem que nasceu, viveu e morreu feliz. Mas lembrem-se: os fatos narrados a seguir são totalmente fictícios. O homem se chamava..."

terça-feira, 17 de março de 2009

Alcoolemia

Primeira dose;
O silêncio dúbio
Minha traquéia em terremoto
O aquecimento no globo ocular dela
Tudo girava, parado

Segunda dose;
Contos de um passado nebuloso
Risos avermelhados
O bloqueio desfeito
Tudo girava, andando

Terceira dose;
Da sala ao quarto
Minhas mãos fuçadoras, surfando nas suas ondulações capilares
Frutificando seus lábios de morango
Tudo girava, correndo

Quarta dose;
O travesseiro no chão
A gente no teto
A paz mundial
Tudo girava, explodindo

É, a alcoolemia faz milagres.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Anti-Herói Americano

A metalinguagem é um artifício constantemente utilizado nas narrativas cinematográficas. Desde clássicos fellinianos - por exemplo - a produções mais recentes (Adaptação, de Spike Jonze, é, talvez, meu favorito). O "filme dentro do filme" é, se bem manejado, um eficaz instrumento na elaboração e na prática da sétima arte. Por achar prazeroso ter a oportunidade de conhecer e entender um pouco mais sobre o fazer cinema, obras metalinguistícas sempre me atraem.

Adaptado a partir da série de quadrinhos American Splendor, Anti-Herói Americano retrata a vida e obra de Harvey Pekar (Paul Giamatti), autor das publicações acima citadas. Harvey trabalhava como arquivista em um hospital. Quando conheceu Robert Crumb (James Urbaniak), amante e escritor de graphic novels, percebeu a necessidade de criar suas próprias histórias. Mas, diferenciando-se dos demais, Harvey pôs nos gibis histórias de seu dia a dia em sociedade. Histórias sobre suas angústias, alegrias, frustrações. Diálogos e personagens reais que o autor reproduziu em diversos quadrinhos (ilustrados por outros artistas, já que Harvey, como o mesmo afirma, não consegue desenhar uma linha reta), cujo sucesso resultou em idas ao Late Night, de David Letterman. Apesar da maior visibilidade, Harvey permaneceu no underground literário, o que desencadeou inúmeros acontecimentos que são magistralmente "lidos" nesse filme.

Lidos por que todo o filme é contado "em forma" de gibi. Cenas com títulos, as figuras interagindo com os atores; todo o universo ilustrado nas obras de Harvey é trazido fielmente às telas. A narração em off, feita pelo Harvey real, é totalmente adequada (se ele conta suas histórias nos gibis, por que não contar suas histórias em seu filme?) e pode ser vista, também, como uma crítica aos que desprezam a presença da voz "guia". Ver, no filme, as pessoas que originaram aqueles personagens é algo interessantíssimo. A cena em que os reais Toby e Harvey conversam, enquanto os atores que os interpretam ficam em segundo plano, está impecável. Shari Springer Berman e Robert Pulcini dividem a direção - e o roteiro - com plena segurança e criatividade. É clara, mas sutil, a opinião dos diretores na fala de uma antiga colega de faculdade de Harvey, quando a mesma, comentando sobre um livro, diz que a obra "não tem aquele final feliz de Hollywood. Mas é verdadeiro, o que é raro hoje em dia".

As atuações extraídas do elenco são igualmente aplaudíveis. Paul Giamatti está sensacional como Harvey. As cenas em que o personagem aparece com a voz comprometida demonstram a capacidade cômica da ator - que também brilha nos momentos dramáticos. Hope Davis retrata otimamente a esposa de Harvey, Joyce Brabner, e Judah Friedlander faz o público rir interpretando o nerd assumido Toby Radloff, amigo do autor. A disponibilidade dos verdadeiros personagens também é digna de mérito; nem todos exporiam suas vidas como eles fizeram.

Um filme que exala metalinguagem, nos fazendo refletir sobre o próprio cinema e, fundamentalmente, sobre o viver, sobre as pessoas, sobre o filme dentro da vida de cada um e suas direções, roteiros e montagens. Uso, aqui, as palavras de Charlie Kauffman em Sinedóque, Nova York: "Há milhões de pessoas no mundo. E nenhuma delas são figurantes. Todas são protagonistas de suas próprias histórias". Apesar de a mídia enaltecer, por razões óbvias, o american way of life, minha (nossa) vida, simples e sem flashes, é, sim, tão importante quanto a do mendigo da esquina e a da modelo do ano. Posso não ter a atenção social recebida pela modelo, mas é a partir da minha vida "despercebida" que evoluirei como humano. E é nessa despercepção que amamos, choramos e rodamos, diariamente, nossa autobiografia.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Estaticidade pós-vômito

"...Quanta urgência nesse sentimento!
Urgência de inverter a rotina, de inovar na narrativa da vida
sair nu, ir à lua
Por que eu não posso ir à lua?
Eu, carnal, eu que defeco, urino
também faço a barba
rala, no ralo
permaneço, e vejo
o sol que, ao invés de clarear as mentes, arde e queima a carcaça
junto à fumaça que embaça a vista
Santa vista!
melhor ser cego, nada à vista
simplesmente ouvindo o mutismo no ar
Mas vejo, tenho missão
Qual minha missão?
Esqueci o manual, suas instruções
e não pretendo encontrar
Porque eu não quero dizer bom dia
na chuva, na neve, no deserto, no crepúsculo, no almoço
não me importa onde, quando, como ou para quem

Eu apenas não quero dizer bom dia."

Completamente despido, senti o frio confuso do silêncio dos olhos de Alice. Nada pulsava. Nem a lágrima que arriscava me escapolir ousou se mover e conteve-se, contrariada, aos cílios. Eu estagnara o universo.

domingo, 1 de março de 2009

Do me Go

xingo
a mãe do zagueiro inexperiente
o gordo do relógio gordo
e até as gargalhadas, sucedidas de "que merda!"

gingo
pra lá e pra cá
exortando mãos inertes
cansadas de pensar
sob à luz da noite
sobre linhas futuras

vingo
num destes dias
o frio dos da rua
com fogo branco
na mente dos adormecidos

gringo
devo ser
pra me sentir assim
"lost", "allein"

pingo
do vinho de ontem
não mais se vê
nem a chuva,
hoje, quer descer

flamingo
beija-flor, gavião, qualquer um
eu seria, pra voar
aterrissar, e voar

nem a porra do bingo
de tio Beto
valendo uma Smirnoff
pra ganhar.
por quê?

porque domingo
meu chapa
é sempre domingo.