segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

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As cinzas da próxima quarta-feira estarão mais reluzentes que em eras anteriores,
e as pontes
as pontes jamais serão as mesmas.

Haja pé e coração.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O Lutador

Fracasso. Possivelmente uma das palavras mais fortes em nossa gramática e que mais tememos um dia acontecer em nossas vidas (ao lado de 'guerra' e 'casamento' - a segunda foi só para descontrair, ok?). Pode ser definida como "não conseguir atingir um objetivo, uma meta; oposto de sucesso". O cinema norte-americano - e a mídia, de modo geral - costuma exaltar os 'winners', pessoas que ascendem socialmente (ou afetivamente). Dá mais audiência a trajetória vencedora de um Robinho do que a tragédia familiar do mendigo da esquina. E quando, vez ou outra, retratam o sofrimento alheio, os meios de comunicação apelam para a dramatização, espetacularização da vida real. É raro, portanto, obras tão tocantes e verdadeiras como "O Lutador" de Darren Aronofsky.

Randy "The Ram" Robinson (Mickey Rourke) é um famoso e prestigiado lutador dos anos 80. Vinte anos após seu ápice profissional, Randy já não mais se encontra no topo (apesar de contínua popularidade) e, ao término de um intenso embate, sofre uma parada cardíaca. Os médicos o diagnosticam e aconselham o pugilista a abandonar os ringues. O conflito pessoal de Randy é demonstrado com competência pelo diretor estadunidense. Observe como a câmera de Aronofsky acompanha Rourke sempre por trás, similar às entradas dos lutadores nos ringues, o que intensifica a idéia das "lutas" diárias do personagem. Dignas de aplausos, também, são as cenas dos combates, altamente bem filmadas e de um realismo pouco visto em produções do tipo. Por diversas vezes, me questionei: "Cacete, Rourke fez isso mesmo ou a caracterização dos dublês foram, assim, tão perfeitas?". Mas sabendo do histórico de Mickey, na vida real, como boxeador, creio ter sido ele mesmo a realizar os golpes.

Mickey Rourke que, diga-se de passagem, está absurdamente impecável. Apesar das semelhanças na carreira de Randy com a do próprio ator nova-iorquino (auge nos anos 80, posterior decadência. O que faz muita gente afirmar que Rourke se auto-interpretou), a atuação obtida por Rourke é merecedora dos prêmios recebidos até então e dos que possivelmente virão (Oscar). Com a respiração sempre ofegante, o ator cria um Randy desgastado físico e emocionalmente, cujo olhar angustiado revela os abalos de um caminho marcado por dores corporais e da alma. A cena em que Randy manifesta seus sentimentos à filha, tentando reatar os laços rasgados pelo tempo, eterniza, de maneira sensacional, o trabalho realizado pelo ator. Também indicada ao oscar, Marisa Tomei brilha no papel da dançarina Cassidy-Pam. Deixando muita menininha no chão, Tomei mostra toda sua sensualidade "quarentona" com um corpo estonteante (além de sua usual eficiência dramática). Um papel corajoso que poucas, indicadas ao oscar e bem-sucedidas como Tomei, aceitariam. Por fim, Evan Rachel Wood interpreta a filha do lutador, Stephanie, com surpreendente intensidade. Presente nas melhores cenas do longa, Rachel Wood alcança a melhor atuação de sua carreira e prova que, escolhendo os projetos certos, tem tudo para se tornar uma das melhores atrizes da sua geração.

O roteiro de Robert D. Siegel explora na dosagem certa todas os sentimentos em choque no universo de Randy. A cena em que Randy chama um garotinho para jogar nintendo mostra, com grandiosa sutileza, a solidão vivida pelo personagem. O declínio e a irreversibilidade temporal é exposto de forma mais aplaudível na "tarde" de autógrafos, onde o diretor também tem enorme mérito ao enfocar as "cicatrizes" dos veteranos lutadores, como a bengala e a cadeira de rodas de dois dos presentes. A importância que o atleta dá à sua imagem de lutador é lembrado acertadamente pelo roteiro, nas cenas onde o personagem insiste em ser chamado de Randy, seu nome "artístico" (Robin é seu nome de batismo), e quando o mesmo se "embeleza", tingindo o cabelo e bronzeando-se artificialmente.

"O Lutador", portanto, se revela de uma beleza única, delicada e raramente vista em filmes norte-americanos que abrangem temas como o fracasso, o insucesso. Ainda não pude assistir à "Milk", filme por qual Sean Penn recebeu indicação ao oscar desse ano (e que é, creio eu, o maior concorrente de Rourke na premiação). No entanto, seria uma injustiça imperdoável Rourke não levar a estatueta para casa. Penn já foi lembrado por "Sobre Meninos e Lobos", com todo mérito. Consequentemente, aposto que, em 2009, pela conturbada trajetória profissional e por sua atuação extraordinária, a academia presenteará Mickey Rourke por seu lutador "auto-biográfico". Que minha aposta se concretize.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Help me, Scofield.

Desatarraxei-me de teus braços, apenas.
Desisti por um segundo e fossilizei tua imagem ao nada.
Incinerei teus lábios, sim. Mas o vento trouxe de volta à minha cama tuas cinzas lapidadas
vermelhas de paixão e dor
dor do nascimento, paixão de morrer.

Ri de tanto chorar, revivendo as pinturas
da casa dos nossos sonhos, da vizinha inconveniente
dos risos, dos não's.
Como me divertia, observar teus dedos cedilhando "aterrissar"
soldando-se aos meus, digitais com digitais
sem impressões de outrem.
Somente eu e você.

Acordar era fácil; difícil, hoje, é dormir.
Hoje, desflorestado, qualquer indício de serenidade me traz teu aroma
e, levitando, saboreio a leveza da minha ilusão.

Que insustentável cruz carrego no peito, Deus
essa cruz de madeira ruiva, olhos vagantes e conciliáveis abraços
que metralham minha existência a 734 km de distância.
Bicicleta só se move com duas rodas, e, apesar da palhaçada do cotidiano, eu não utilizo monociclo.

Minha prisão é perpétua; e gosta de sorvete de morango.



É, parece que o lado coca cola da vida restringe-se aos 'criativos' publicitários e aos seus atores, uma vez interpretando.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Huge Joy.

Surreal. É, talvez, a palavra mais adequada ao show de Little Joy, em Recife, no último sábado (07). Se testemunhar Rodrigo Amarante e Fabrizio Moretti dividindo um palco de maneira tão íntima já seria algo inimaginável há alguns anos, presenciar o inesperado final da apresentação no teatro da UFPE foi, realmente, memorável. Já chego lá; comecemos do começo.

Cheguei ao teatro por volta das 19:30 e me direcionei à pequena fila que havia sido formada na entrada do local (os portões abririam às 21). Esporadicamente, os seguranças, por razões desconhecidas, entreabriam os portões que dão para o palco(onde a banda passava o som), causando delírio nas fãs mais 'entusiasmadas'. Era o prenúncio. Sem largos atrasos, liberaram a entrada dos espectadores e a ânsia pelo lugar mais perto do palco aos poucos foi se acalmando e os milhares acomodaram-se em minutos. Conhecedor da "política" do teatro e de seus frequentadores, sentei numa cadeira lateral às demais - mais próxima à escada -, pois tinha ciência que, ao apagar das luzes, não teria essa de ficar sentadinho. Não deu outra. Bastou escurecer o recinto e a banda subir ao palco para que algumas dezenas de pessoas se alojassem - sentadas, agachadas, ajoelhadas - ao pedaço de chão mais próximo do palco.

Mesmo abrindo o show com a pacífica "Play The Part", o êxtase presente nas poltronas não atenuou um segundo sequer e a platéia acompanhou Amarante mais aos gritos do que com a letra em si. Ao término de "The Next Time Around" - ou "How to Hang a Warhol", não lembro bem -, Moretti proferiu: "Esse, infelizmente, é o último show da banda. Portanto, quem quiser cantar, dançar, subir no palco com a gente...", e foi interrompido pela agitação que preludiava o porvir. "Calma, calma. Deixa a gente tocar algumas músicas e depois...", prometeu Moretti. Em "No One's Better Sake", Fabrizio chamou uma garota que vestia uma camisa da banda, cujo logotipo ela mesma tinha confeccionado. A menina permaneceu durante a música no palco, cantando ao lado de Fabrizio. No final, após cumprimentar todos da banda, tornou - meio desnorteada - ao posto de espectador. Já com o público de pé, o grupo continuou a apresentação com a encantadora "Unattainable", que me fez ter vontade de invadir o palco, encapuzar Binki Shapiro e levá-la pra casa. Me contive. Antes de "Don't Watch Me Dancing", um rapaz na platéia gritou STROOOOKES, PORRA! Educadamente, Fabrizio questionou "what about Little Joy, man?". Doce como de costume, Amarante riu e afirmou: "veio pro show errado, cara". Já tinha valido o ingresso. Entre músicas novas, um cover e as restantes do cd, a banda se despediu. Mas ainda faltavam duas. Após uns minutos, Amarante volta ao palco para, sozinho, cantar "Evaporar", com um coro quase pleno. Emocionante.

Os demais integrantes retornam e penso: "porra, é agora". Só restava "Brand New Start" e, se Moretti mantivesse a promessa, a hora de subir no palco tinha chegado. É quando o "stroke" pega o microfone e diz: "Bem, essa é nossa última canção. A gente agradece a presença de vocês e quem quiser dançar, subir pra dançar com a gente...peraí, peraí... fodeu". Em segundos, o palco foi tomado por inúmeros fãs da banda (inclusive pelo que vos escreve). Seria tudo sensacional se fãs adolescentes histéricas não tentassem, de qualquer modo, tocar, beijar, arrancar, puxar os integrantes (leia-se Amarante e Moretti) da banda. Amarante tentava salvar o equipamente dos pés incontroláveis das fãs e Moretti, apesar do frenesi, iniciou "Brand New Start", posteriormente assumida por Amarante; porém, sempre interrompida pelo empurra-empurra dos seguranças vs fãs. Uma pena, já que não deu pra desfrutar completamente de uma das melhores músicas do cd. Os seguranças (da banda ou do teatro, não sei) extrapolaram na rigidez física, já que a maioria presente eram adolescentes alucinadas. Estavam realizando seus trabalhos, claro. No entanto, poderiam suavizar nos empurrões e gritos de "SAI DAQUI, PORRA!". Enfim, elementos que abrilhantaram o final de show mais bizarrro presenciado por meu ser. Nem o mais utópico dos fãs julgaria ser possível o que aconteceu no fim da apresentação. Infelizmente, a falta de civilidade de alguns (ou melhor, de algumas) não permitiu o melhor dos desfechos. Mas nada que tire o esplendor de um dos melhores shows da minha vida.

Ah, se toda pequena diversão fosse tão grandiosa...



ps: foto by Aline. :)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Ressalvo:

A ladeira bateu no teto e virou elevador.
E a luz, a luz é auditiva.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Itself.

- Damn, I should drink somethin'.
- Drinking will not solve your inaction, sweetheart.
- Fuck you, Margareth! You're in no position to judge my behavior, look at yourself! A fucking stupid latina cleaner that suck her boss just to double the payment.
- At least I DO something, your statue. Do you think I enjoy sleeping with Rolfie? You're wrong, he's cantankerous! But I have to support four children, who have nobody in this disgusting world, but me. I do it for them. But you, Gary...you're only eighteen, for Christ's sake! You have a whole life to live, boy, and you stay in a fucking bar, waiting for some Santa Claus of love to bring you a little warm Lolita who likes Allen and the Coen's.
- Nice argument. You could make money giving some of these advices to fucked people that don't know themselves. But I know who I am and what I feel, and you have no idea.
- So tell me, Gary, how do you feel inside? Explain to me what these afflicted eyes hide and I'll never bother you again with my useless words.
- Have you ever heard about locked-in syndrome?
- Yeah, sure.
- It's how I feel. I see people, hear people, but I simply can't interact the way I want to, I need to, to fill the emptiness. I simply can't say those cute phrases to those beautiful girls you've been watching for a while. The words stay stuck in my throat and then I swallow them back. It's not only about shyness, or insecurity...it's about answers.
- Answers?
- Yes, answers. Answers, results. When you fight for somethin', you need, sometimes, just to balance, positive results to replenish your strenght. Maybe I didn't fight enough in my battles, I don't know. But, 'till today, I look for some result and, damn...can't cite one for you.
- Kid, you speak like a seventy years old man! You're young, pretty, healthy...trust me, life ain't four years of losing.
- Who can say? Eighteen years is a lifetime.
- Indeed. But one month, one week - even a day, why not? - can change all the scenery. You're alive, and it's wondrous. Don't forget to live, my boy.

Margareth kissed my forehead and walk away downstairs. I looked at the window and realized how sunny the morning was. Furthermore, it was time to go home. The day had just begun.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Sunny night.

Inerte permaneci. Ela inabilitara minha voz, e, cabisbaixo, os hemisférios debruçavam-se em meus ombros de maneira angustiante, resultando em asfixia.

- Parece que o loquaz moço, cuja excentricidade tanto me chamava atenção, perdeu-se ao longo dos anos que me abstive.

Quanto controle, Deus...

- Pessoas mudam, Emily. Demonstrar por fora algo inexistente por dentro é complicado quando se passa dos 30. Cansa-se. Nunca estive tão cansado em minha vida. O saturante cotidiano de nossas vidas exterminou as frases engraçadas e irônicas da minha mente. Não vejo mais motivo algum para ser como outrora fui. Quer dizer, não via.
- Agora vê?
- Bem na minha frente.

Pela primeira vez, desde seu retorno, Emily não me encarava. As facas e espingardas previamente apontadas à minha face bruscamente foram ao chão após minha resposta. E eu, mesmo desarmando-a, não domei a bela; minhas mãos trêmulas confirmavam isto.

- Não sou mais menina, Kei. Não irei me deslumbrar por qualquer frase treinada em frente ao espelho repetidas vezes.
- Pretensiosa, como sempre...
- Não é pretensão, é enxergar além do óbvio. Vivi o suficiente pra entender que a ventura é efêmera e a dor é roupa; só troca-se o tipo - a razão. Como, depois de nove anos, você tem a audácia de me definir tão importante?
- Porque você é, Ly. Tentar descrever como eu me senti esses anos longe do Brasil ...é difícil. Fui contra minha vontade, você tem plena ciência desde o dia do embarque. E, uma vez lá, eu não pretendia voltar, admito. A tortura do afastamento foi massacrante, mas a devastação que sentia ao ver-te morando com ele era insuportável. Não julgue, foi auto-defesa. Regressar à Ontario talvez me traria, do passado, algo novo. Estupidez. Nove anos em busca de algo inalcançável, acima do Equador. Quisera ser bentônico, isolado de toda insanidade terrestre. Sonhei, certa noite, que estava em um navio luxuoso e, enquanto todos festejam a riqueza(material) daquele momento, eu me afastava lentamente e me via, de repente, encostado à âncora da embarcação. Analisei aquele pedaço de aço por alguns segundos e, com algum esforço, atirei-me mar, agarrado ao equipamento. Desacordei com o choque e, ao tornar, meus olhos encheram-se de águas. Sim, eram salgadas, mas não filhas do mar. Eram minhas e esvaíam-se pelo meu rosto enquanto as luzes e os abraços oceânicos me acolhiam alegremente. Então, eu acordei. E a primeira imagem que me veio à cabeça foi teu sorriso aconchegante, me reconfortando no dia da queda na escadaria do cinema. Chorei por alguns segundos e percebi que, longe de ti, meu mar é só areia.

Com o rosto lindamente encharcado, Emily me abraçou e fizemos amor por indetermináveis horas. O sol reaparecera e iluminava suavemente o castanho dos seus olhos. O trem havia voltado aos trilhos.