terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O Lutador

Fracasso. Possivelmente uma das palavras mais fortes em nossa gramática e que mais tememos um dia acontecer em nossas vidas (ao lado de 'guerra' e 'casamento' - a segunda foi só para descontrair, ok?). Pode ser definida como "não conseguir atingir um objetivo, uma meta; oposto de sucesso". O cinema norte-americano - e a mídia, de modo geral - costuma exaltar os 'winners', pessoas que ascendem socialmente (ou afetivamente). Dá mais audiência a trajetória vencedora de um Robinho do que a tragédia familiar do mendigo da esquina. E quando, vez ou outra, retratam o sofrimento alheio, os meios de comunicação apelam para a dramatização, espetacularização da vida real. É raro, portanto, obras tão tocantes e verdadeiras como "O Lutador" de Darren Aronofsky.

Randy "The Ram" Robinson (Mickey Rourke) é um famoso e prestigiado lutador dos anos 80. Vinte anos após seu ápice profissional, Randy já não mais se encontra no topo (apesar de contínua popularidade) e, ao término de um intenso embate, sofre uma parada cardíaca. Os médicos o diagnosticam e aconselham o pugilista a abandonar os ringues. O conflito pessoal de Randy é demonstrado com competência pelo diretor estadunidense. Observe como a câmera de Aronofsky acompanha Rourke sempre por trás, similar às entradas dos lutadores nos ringues, o que intensifica a idéia das "lutas" diárias do personagem. Dignas de aplausos, também, são as cenas dos combates, altamente bem filmadas e de um realismo pouco visto em produções do tipo. Por diversas vezes, me questionei: "Cacete, Rourke fez isso mesmo ou a caracterização dos dublês foram, assim, tão perfeitas?". Mas sabendo do histórico de Mickey, na vida real, como boxeador, creio ter sido ele mesmo a realizar os golpes.

Mickey Rourke que, diga-se de passagem, está absurdamente impecável. Apesar das semelhanças na carreira de Randy com a do próprio ator nova-iorquino (auge nos anos 80, posterior decadência. O que faz muita gente afirmar que Rourke se auto-interpretou), a atuação obtida por Rourke é merecedora dos prêmios recebidos até então e dos que possivelmente virão (Oscar). Com a respiração sempre ofegante, o ator cria um Randy desgastado físico e emocionalmente, cujo olhar angustiado revela os abalos de um caminho marcado por dores corporais e da alma. A cena em que Randy manifesta seus sentimentos à filha, tentando reatar os laços rasgados pelo tempo, eterniza, de maneira sensacional, o trabalho realizado pelo ator. Também indicada ao oscar, Marisa Tomei brilha no papel da dançarina Cassidy-Pam. Deixando muita menininha no chão, Tomei mostra toda sua sensualidade "quarentona" com um corpo estonteante (além de sua usual eficiência dramática). Um papel corajoso que poucas, indicadas ao oscar e bem-sucedidas como Tomei, aceitariam. Por fim, Evan Rachel Wood interpreta a filha do lutador, Stephanie, com surpreendente intensidade. Presente nas melhores cenas do longa, Rachel Wood alcança a melhor atuação de sua carreira e prova que, escolhendo os projetos certos, tem tudo para se tornar uma das melhores atrizes da sua geração.

O roteiro de Robert D. Siegel explora na dosagem certa todas os sentimentos em choque no universo de Randy. A cena em que Randy chama um garotinho para jogar nintendo mostra, com grandiosa sutileza, a solidão vivida pelo personagem. O declínio e a irreversibilidade temporal é exposto de forma mais aplaudível na "tarde" de autógrafos, onde o diretor também tem enorme mérito ao enfocar as "cicatrizes" dos veteranos lutadores, como a bengala e a cadeira de rodas de dois dos presentes. A importância que o atleta dá à sua imagem de lutador é lembrado acertadamente pelo roteiro, nas cenas onde o personagem insiste em ser chamado de Randy, seu nome "artístico" (Robin é seu nome de batismo), e quando o mesmo se "embeleza", tingindo o cabelo e bronzeando-se artificialmente.

"O Lutador", portanto, se revela de uma beleza única, delicada e raramente vista em filmes norte-americanos que abrangem temas como o fracasso, o insucesso. Ainda não pude assistir à "Milk", filme por qual Sean Penn recebeu indicação ao oscar desse ano (e que é, creio eu, o maior concorrente de Rourke na premiação). No entanto, seria uma injustiça imperdoável Rourke não levar a estatueta para casa. Penn já foi lembrado por "Sobre Meninos e Lobos", com todo mérito. Consequentemente, aposto que, em 2009, pela conturbada trajetória profissional e por sua atuação extraordinária, a academia presenteará Mickey Rourke por seu lutador "auto-biográfico". Que minha aposta se concretize.

3 comentários:

Luiza Judice disse...

Genial, Alex.
Você escreve bem demais, rapaz.

Deu vontade de assistir.
Estou torcendo pela sua aposta.

Se perder, continue lutando ;)
Beijos.

Diego Blues disse...

quase chorei cara
eu vo assistir o filme tmbm
e pelo começo da critica eu pensei que o filme tinha sido um fracassso
sou besta

Anônimo disse...

Emocionou mermo na moral
Fiquei com muita vontade de assistir!!