domingo, 31 de maio de 2009

transição.

A clandestinidade dos nossos encontros reforçavam a ideia de revolução. Despejaste em meu cotidiano bandeiras e explosivos de afeto. Eu tentava manter a lei, mas teus braços subversivos enclausuravam meus direitos, e eu, ilegal, me rendia aos teus crimes apaziguadores. Até então, eu não tinha certeza na realidade desse sonho. A beleza ao teu redor, hipnotizante e amarela, parecia-me irreal, às vezes. Algo ofuscava o brilho, enfraquecendo a luz. Hoje eu sei. Era simplesmente insegurança que, com o tempo, se desfez.

(O caos dissolvido na saliva).

Nada nos preocupa, nem a vida. A morte é filme. Basta-nos as mãos dadas, e um pouco de privacidade. Dois corpos palpitantes, simétricos, que dançam ao som do silêncio. A gravidade inexiste, e voamos. À lua, às galáxias. Eduquei-me, ao teu lado. Aperfeiçoei minha fala, tornei-me pontual; tu, sistema educacional perfeito. Devo ser mesmo de sorte, ou, vai ver, a vida assim quis, simples e com sorrisos. Se assim for, peço à vida apenas uma coisa: a eternidade desse querer.

(Deixa envolver, o amor cuida do resto).

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Odeio guarda-chuva

Sou neve, abalo-me facilmente. Vento, fogo, tudo me desfaz, me derrete. Não possuo a característica frieza, no entanto. Nada em mim gela, exceto as mãos. Devo ser vapor, então. E de tanto segurar-me, segurar-me, chovo. Sem molhar os outros, mas chovo, alagando o peito de aperto.

Ar. Gostaria de ser só ar.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

relatosdeumavidaassistida.

Casei-me por conivência, talvez. A declaração de um padre nunca havia me ensurdecido tanto. Tão cortante quanto o arroz que nos atiravam, à saída. A cada grão arremessado, uma janela fechava-se em mim, neblando o remanescente céu dos meus olhos castanhos. Katherine, uma pluma branca e branda, acenava, em lágrimas sorridentes, aos familiares e amigos presentes. O carro nos aguardava. Era um impecável Chysler PT Cruiser, 2002, conversível e de uma negritude reluzente encantadora. Sr. Cheadle entregou-me as chaves, nos deu um só abraço e juntou-se aos demais espectadores da minha felicidade encenada. Abri e fechei a porta para Kathy. O caminho da sua porta à minha foi, talvez, o mais confuso da minha vida, até então. Quis correr, gritar, deixar, mas permaneci. Ao pôr as mãos no volante, observei a aliança por alguns instantes. Aquele simples objeto cristalino envolvia não só um dedo, mas todo meu corpo, fazendo com que este transpirasse absurdamente frio. Katherine repousou as digitais em minha nuca e perguntou se estava tudo bem. Sorri, morrendo, e confirmei a mentira. Liguei o automóvel e dirigi, aos poucos, observando, pelo retrovisor, a alegria daquelas pessoas que depositaram em mim total confiança e afeto. A placidez matutina de Carson City contrariava meu desarranjo sentimental. Daltrey enxaguava a calçada, em frente de sua pizzaria, assobiando algum black-blues, como ele sempre rotulava. Buzinei e vi seu reflexo tentando identificar-nos. "Puta que pariu, não convidei Daltrey", pensei indignado. A exagerada cautela de Katherine e sua mãe em relação à capacidade limite da igreja me fez relegar várias presenças, para mim, indispensáveis. O erro alimentado desde a elaboração da lista de convidados à escolha do local. Apenas Johnathan, meu irmão mais novo, tinha ciência do meu desgosto. E me questionava, diariamente, por qual motivo eu me mantinha estático, por que raios não desistia da ideia e seguia em frente, mesmo que só e trêmulo. Eu não sabia ao certo, na época. Para extrair, de vez, a solidão, talvez. Necessitava de alguém ao lado e Katherine era, sim, uma prazerosa companhia. A beleza canadense que sempre me cativou, desde o primeiro dia, não era, no entanto, suficiente. Algo permanecia, em mim, vazio. E não a culpo, sempre foi prestativa, atenciosa. Simplesmente não encaixava. Era como servir água a um alcoólatra em abstinência. Fingi satisfação até meu limite. Enfim, após sete meses, cindimos. Katherine nunca me perdoou e a entendo, sem rancores - apesar de suicidar-me a cada dia por saber que triturei dezenas de seus sonhos.

Regressei à Birmingham, à casa de antigos amigos da diuturna adolescência que tive no Reino Unido. Como tínhamos mudado, Deus, e, ainda assim, nos mantínhamos os mesmos. Dave, Kirsten, Gloria e Nikolas. Meu real casamento, cinco em um. Fui recebido como nunca. Núpcias nos cinemas da cidade, procedidos por intermináveis conversas no bar da rua de trás. Meu reabastecimento por completo. Álcool, amigos, amor. Nos mês seguinte, Nikolas arranjou-me um emprego na livraria do seu tio. Lá, lendo Proust, eu perceberia o quão feliz fui quando decidi retornar ao meu berço. Lá, à noite, numa quinta-feira, eu entenderia que, realmente, nada acontece por acaso.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Day Old News

Textito de quase um ano, mas que calha bem ao atual momento. "It's funny how some things change and some just stay the same".


A mania, minha, de endeusar as pessoas já está batida. Enobreço o mendigo, santifico o cruel. Então não se espante, não é que seja amor; é só um humilde pedestal. E, de baixo, me submeto à submissão. E, de cima, tu, tua lenidade, reverdecendo o que de sombrio em mim resta. E quero deixar florescer. Mas me contenho. A pândega da vida não engana mais. Sempre há variantes quedas. E quando caio, fico. Por um tempo, por uns dias. Até levantar, marcado pelo asfalto. "É preciso cautela, bicho", sempre me disse Uncle Bill. Nunca demonstrar, confiar por completo. Rules of attraction, they say. Fuck them all, I say.

É endocardíaco. Só as artérias têm ideia, do quanto de tu existe aqui. Entopem, nos minutos que precedem tua presença. E desfaleço, acordado. Meu estômago com cãimbras, impossibilitando a aterrissagem de qualquer alimento. Então te vejo, e Deus existe. Medicina milagrosa, amém. Teus braços se fundindo aos meus. E isso basta. Deixa chover, que isso me basta.

domingo, 10 de maio de 2009

Ta-ta-talkin'

Gustavo e eu conversávamos sobre impressões. Estética, posições, tudo é julgado, somos sempre julgados - e juízes. E era esse o maior fardo do interiorano: ser julgado por apenas ser. Por vestir a camisa, usar os óculos, citar Foucault. Constantemente estereotipado, mas nunca conhecido. Ninguém o conhecia. Mas alguém conhece, plenamente, um outro alguém? O convívio nos dá ideias. Inúmeras reais, outras nem tanto. Visão de raio-x é limitada ao organismo. Nunca nos conheceremos por completo. Há sempre algo omitido, um pensamento, um olhar, um sonhar, um lamento. E o motivo de não exteriorizarmos tais sentimentos não interessa (a ninguém). Cada um sabe o porquê. Emitir, às vezes, é desnecessário. E nem por isso podemos ser considerados introspectivos, desconfiados. Somos humanos. E isso deveria bastar. Entre cigarros e presságios de chuva, Gustavo repetia a vontade de entender as mulheres. A capacidade de dizimar, com um "não.", corações e genitais alheios - de uma só vez - é admirável, dizia ele. De acordo, ri e defendi a impossibilidade da compreensão, novamente. "Pergunta se Tom Cruise, mesmo após tantas missões impossíveis, entende Katie Holmes", brinquei. E defendi, me despedindo, o mistério. É da dúvida que vem a beleza humana. O questionar-se alimenta os pés. Necessitamos de resultados, obviamente, mas é a constante interrogação que nos faz refletir e, consequentemente, evoluir.

Porque no dia da clareza, do entendimento pleno, a vida não mais essência terá.

sábado, 2 de maio de 2009

Digital Experience.

Eu fotografava, primeiramente, no intuito de tocar, de alguma forma, o que minhas mãos desejavam caladas. Era a vida, e as pessoas que faziam dela morte. Tão imperfeitas, como eu e ela, dois pontos de interrogação entre orações coordenadas e descoordenadas. Era extrair água de tijolo. E guardá-la, na pasta, no computador, só por guardar. Manter seguro o que não acontecia. Porque o maior medo da humanidade é a mudança. O novo preocupa, enquanto o antigo - por já ser amigo - transpira confiança, estabilidade. Idiotice. O velho desgasta, envelhece, e é a novidade que recorda a vida de que a mesma ainda existe.

Naquela noite fria, esqueci a câmera. Meus dedos choravam a ausência da prótese, da lente que tateava. Estalei os dez, mais o pescoço, e deixei as divagações na chuva. Não posso remover o navio naufragado se a tripulação discorda. A maré sabe o que faz.

Os degradados degraus da escadaria que me levara ao constante trânsito buscavam deter meus passos. O engarrafamento em seus olhos freava o automotor existente em mim.



Voltei pra casa, a pé.