sexta-feira, 22 de maio de 2009

relatosdeumavidaassistida.

Casei-me por conivência, talvez. A declaração de um padre nunca havia me ensurdecido tanto. Tão cortante quanto o arroz que nos atiravam, à saída. A cada grão arremessado, uma janela fechava-se em mim, neblando o remanescente céu dos meus olhos castanhos. Katherine, uma pluma branca e branda, acenava, em lágrimas sorridentes, aos familiares e amigos presentes. O carro nos aguardava. Era um impecável Chysler PT Cruiser, 2002, conversível e de uma negritude reluzente encantadora. Sr. Cheadle entregou-me as chaves, nos deu um só abraço e juntou-se aos demais espectadores da minha felicidade encenada. Abri e fechei a porta para Kathy. O caminho da sua porta à minha foi, talvez, o mais confuso da minha vida, até então. Quis correr, gritar, deixar, mas permaneci. Ao pôr as mãos no volante, observei a aliança por alguns instantes. Aquele simples objeto cristalino envolvia não só um dedo, mas todo meu corpo, fazendo com que este transpirasse absurdamente frio. Katherine repousou as digitais em minha nuca e perguntou se estava tudo bem. Sorri, morrendo, e confirmei a mentira. Liguei o automóvel e dirigi, aos poucos, observando, pelo retrovisor, a alegria daquelas pessoas que depositaram em mim total confiança e afeto. A placidez matutina de Carson City contrariava meu desarranjo sentimental. Daltrey enxaguava a calçada, em frente de sua pizzaria, assobiando algum black-blues, como ele sempre rotulava. Buzinei e vi seu reflexo tentando identificar-nos. "Puta que pariu, não convidei Daltrey", pensei indignado. A exagerada cautela de Katherine e sua mãe em relação à capacidade limite da igreja me fez relegar várias presenças, para mim, indispensáveis. O erro alimentado desde a elaboração da lista de convidados à escolha do local. Apenas Johnathan, meu irmão mais novo, tinha ciência do meu desgosto. E me questionava, diariamente, por qual motivo eu me mantinha estático, por que raios não desistia da ideia e seguia em frente, mesmo que só e trêmulo. Eu não sabia ao certo, na época. Para extrair, de vez, a solidão, talvez. Necessitava de alguém ao lado e Katherine era, sim, uma prazerosa companhia. A beleza canadense que sempre me cativou, desde o primeiro dia, não era, no entanto, suficiente. Algo permanecia, em mim, vazio. E não a culpo, sempre foi prestativa, atenciosa. Simplesmente não encaixava. Era como servir água a um alcoólatra em abstinência. Fingi satisfação até meu limite. Enfim, após sete meses, cindimos. Katherine nunca me perdoou e a entendo, sem rancores - apesar de suicidar-me a cada dia por saber que triturei dezenas de seus sonhos.

Regressei à Birmingham, à casa de antigos amigos da diuturna adolescência que tive no Reino Unido. Como tínhamos mudado, Deus, e, ainda assim, nos mantínhamos os mesmos. Dave, Kirsten, Gloria e Nikolas. Meu real casamento, cinco em um. Fui recebido como nunca. Núpcias nos cinemas da cidade, procedidos por intermináveis conversas no bar da rua de trás. Meu reabastecimento por completo. Álcool, amigos, amor. Nos mês seguinte, Nikolas arranjou-me um emprego na livraria do seu tio. Lá, lendo Proust, eu perceberia o quão feliz fui quando decidi retornar ao meu berço. Lá, à noite, numa quinta-feira, eu entenderia que, realmente, nada acontece por acaso.

Um comentário:

Lorena Tabosa disse...

Um casório por conivência realmente não é obra do acaso.
Phoda!