sexta-feira, 31 de julho de 2009

the 19th.

no semblante do espelho, os anos.

refletidos nas costas facilmente doloridas,
na hesitação perante algum perigo previamente vivenciado,
evidenciados pelo peso das alegrias que carrego nos ombros.

a maturidade que penetra mais um pé
trazendo consigo mais responsabilidades
e o dever de zelar cautelosamente
pela família,
pelo amor,
por nós.

envelheço o mesmo, tão diferente de ontem
mas com medos, talvez mais
do que outrora tive
mas com esperança, talvez mais
nas pessoas e no futuro imaginável.

e como o diretor ansioso pela aceitação do espetáculo
torço, detrás das cortinas, por bons resultados
pois o esforço gigantesco e a dor de cabeça existem
mas o prazer do dever cumprido é inenarrável.

sábado, 25 de julho de 2009

otranseuntequesonhavaserumasonda.

O transeunte que sonhava ser uma sonda ajustou os olhos e, amparado pelos óculos riscados, mirou o zepelim americano que vigiava a cidade há alguns dias. Admirava, acima de tudo, a cor reluzente do incansável flutuante; o amarelo mais vivo existente entre os mortos da Terra. Os militares sabem bem mascarar de bonito as mazelas que cometem. Gomes, o transeunte, comparava-os à chuva de granizo que, por trás de sua beleza natural, destrói casas e automóveis com a força de sua ação incontrolável. A diferença é que os pequenos blocos de gelo não põem uniforme nem atacam em nome da liberdade nacional. Com os pés exigindo descanso, ventilou os pulmões e andou mais dois quarteirões até alcançar o apartamento do tio, Vicente. Prometera visitá-lo há uns meses, então tomou vergonha. O debilitado estado do parente vermelhou o branco dos olhos de Gomes e o gosto salgado na boca foi imediato. O tio sofrera um derrame e ninguém havia lhe avisado, a antiga camareira não mais trabalhava na casa e os meninos, Ítalo e Renan, pareciam mais preocupados com a banda. Formada há três anos, e uma demo sequer não exisitia. O tio não reconheceu Gomes, talves fossem os óculos, mas não. A memória partira quando a doença se estabeleceu no longevo corpo do tio; setenta e sete anos na labuta desgastam mais do que qualquer enfermidade. "És aquele amigo jogador do pequeno Renan, não és?", repetiu duas vezes Vicente, lacerando o peito do sobrinho de angústia. Deu um forte abraço no tio, como quem se desculpa e despede ao mesmo tempo, e saiu cabisbaixo. Não ser reconhecido por quem o ensinou a andar de bicicleta, jogar poker, por quem comprava revistas pornográficas sem o pai saber, provocou tanta aflição no transeunte que sentiu os músculos do tórax retraírem-se de um modo até faltar-lhe ar. Sentou na calçada úmida esperando a recuperação do organismo abalado e queixou-se sobre o rumo de nossas vidas.

Lembranças de Amanda devoraram o já de pé transeunte, elas sempre o atingiam quando a tristeza dos fatos sobressaía a razão. Nunca amou tanto uma mulher. E tinha certeza da reciprocidade do sentimento, o deslaço acontecera por conta de uma viagem apenas de ida da moça às montanhas argentinas. Os pais, à trabalho, exigiram que a filha os acompanhasse, pondo fim, assim, ao eterno romance de oito meses dos ainda jovens. Gomes jamais a esqueceu e sonha regularmente, acordado ou não, com o retorno de Amanda à cidade. Cidade que há três anos não mais brilha. Três anos, e o cheiro de sabonete de Amanda ainda o acordava quando a mente ousava não dormir. Um amor eclipsado cuja interrompida evolução permanece viva, e dolorida, no coração de Gomes. Talvez entendesse, sendo uma sonda, os porquês do desencontro. Penetraria os corpos, as mentes, os complexos universos existentes em cada ser humano e tentaria compreender, apenas compreender.

As hélices da dúvida alojaram-se entre as carnes do cérebro do transeunte amargurado. Apanhou um táxi e foi à praça, abraçar o verde das árvores dos passarinhos. Deitado na grama, tentou ouvi-los assobiar.

- silêncio -

quinta-feira, 23 de julho de 2009

entreatos

A vivacidade das madrugadas transpirantes
solene troca de calores e suspiros
renderam-me o direito de querer
sempre querer
mal acostumado, de exigir sem abrir a boca

Paginei os momentos, os moldurei ao teto
porque na parede seria injusto, é necessário altura
que esteja à altura do sentimento compartilhado
no chão da casa vigiada

E quando não tenho, a faiscação de nossas matérias
amoleço injustamente, desanimado
por padecer à sombra da solidão de um quarto oco
sem teus passos a me acalentar a nuca
desprovida de arrepios

Pensamentos coléricos debatem-se em minha mente
sobre a intensidade do amor, a incerta perpetuidade
pessimismo que grita 'nada dura' aos meus ouvidos
então caio no lago que eu mesmo encharquei

Logo passa, porém, com o sono semi-dormido
entre sonhos e espirros acordados
o sol raia e a pele é trocada
eu, tão jovem quanto velho
banho o corpo e vou ao teu encontro

Novo, como ontem.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

that's why

Sabe, nossas angústias inesgotáveis nada mais eram que efêmeras, foram-se com as nuvens. A lacuna perante a família, como a ausência do pai descoroçoou a convivência. Tudo doía horrores. Mas há o tempo. Hoje tudo aquilo simplesmente me parece bobagem, os hóspedes que martirizam um dia vão. Dos hematomas dissolvidos na água dos dias sem freio, todos desalojados da minha pele, lembro atualmente com deboche. Temi por muito tempo a solidão que tantos aconchegam, lívidos pela ausência. Tremi os membros até ter os teus, sob os meus e quente, transpondo tua fragrância à minha. Hoje, não tão bambo, caminho com menos fisgadas aos joelhos. A mente ainda não espulgada, porém, me identifica com o passado e com os anos que jamais vivi, apesar do registro nos documentos. O velho que não cresceu, indagativo como um turista cuja jornada é conhecer todos os importantes locais da cidade que visita. E, dos idosos, a vulnerabilidade é o que mais em mim se encontra, agora mais do que nunca. Agora que me despi aos teus ouvidos didáticos e reencontrei a leveza de ser. Sou, desde então, teus dedos; abrigado em tuas mãos não importe o dia. E o encanto ao adentrar teu universo corporal, poro por poro, edifica meus calejados pés.

Por isso,
caminho.

Por ti,
caminho

_ _________

o esquecido.

(só pra você não esquecer).

quinta-feira, 9 de julho de 2009

for a sec.

Os lábios de nitroglicerina tiranizaram a sensatez dos pensamentos meus. Meu raciocínio, antigamente perspicaz, jamais fora tão abalado por outro humano, por alguém que ri e sangra como eu. Gotejei os olhos, ontem, até reencontrar a calma. Denodei a garganta e mandei às favas essas preocupações sobre como ajo. Deitei. Fui acordado, horas depois, por tubarões famintos que me arrancaram uma perna e parte do pescoço. Incompleto, liguei. E sua voz regenerou-me suavemente, minuto a minuto, como um pedreiro que reergue, tijolo por tijolo, uma parede degradada.

Logo percebo quão precipitado fui, mas não me importo; era o fim do mundo, na hora. Ao versejar, aliviei-me como de costume. A única saída quando a noite assola o quarto e, sozinho, nada te ilumina.

domingo, 5 de julho de 2009

Don't need title.

Deita, Morena. Eu ponho a mesa, pode descansar.
Não te preocupes tanto, a vida merece desconto.
As cobranças, as queixas, deixa. Acalenta, não liga para as reclamações.
O tempo corre demais? Eu desacelero o relógio.
Atraso, adianto, paro se precisar.
Conciliar teus horários, mover até que encaixe.

Teme não, Lua. Zelarei teus passos, pé ante pé.
Atirarão, pendularão o chão nosso.
Mas tu tens minhas mãos, indestrutíveis.
E meus ouvidos e olhos. Fale. Do cachorro, à melancolia. Do engraçado, ao triste.
Não hesite, acorde-me qualquer hora.
Madruga aos meus braços, aguardando o cantar do sol.

É veraz, Cheek. Tudo dito, tudo sentido, tudo exteriorizado.
Só eu sei, eu e mais ninguém, o tamanho disso tudo.
Impossível de empilhar.

(pause)

- sem saber como terminar -

(play)

O carinho interminável, o cuidado preocupante; o amor.
Que ameniza, que engrandece e solidifica o abstrato.
Teu,
só teu.

(never felt so warm).

sábado, 4 de julho de 2009

paleozóico.

Odeio ter que escrever. Não suporto, às vezes, essa necessidade filha da puta de pôr pra fora.

Hoje, queria uma gilete. Abrir-me por inteiro, sem receio de infeccionar. Queria dizer o quanto temo, o quanto penso, o quanto inundo, o quanto amo. Gostaria de ter certeza, uma vez na vida, hoje. Ao menos hoje, apenas hoje. Preciso escoar os hemisférios debruçados em meus ombros; perdi minha fixidez.

Não posso exigir isenção da vida, mas sou nocivo a mim mesmo. Nocauteio-me à escuridão de indagações regressivas, meus rins se contorcem numa valsa desesperada em busca de respostas terapêuticas. A mente variante que vascoleja os resquícios de uma escassa temperança. Eu, triturado há 19 anos pelo consumo gravitacional, suplico: clareza.

O horizonte trepida.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Expresso Prelúdio

Aglomeravam-se as estrelas, quando o expresso Prelúdio descarrilhou e se desfez, às árvores. Vivian Poncas assistiu à estação última do trem de camarote. Com uma garrafa de Villa Francioni e um pacote de Cheetos observou, da cobertura da casa, as vidas que deixavam-se de ser. Antes da explosão póstuma encandescer seus olhos, Poncas viu. Um casal guerrilhando com os destroços, tentando, inutilmente, escapar do ponto final. Vivian, paralisada, de pé, gritou pela mãe. Junto ao berro, a bola de fogo. Sentiu na pele o calor dos, agora, cinzas e jurou escutar a mãe. Danusa Poncas, engenheira de 49 anos, retornava de Posadas. As viagens à trabalho tornaram-se constantes, a crise apertara. Há dois meses longe, Danusa contou, pela última vez, que havia comprado um novo aparelho de som para a filha. "Faz muito barulho, como você gosta". Vivian agradeceu e se despediu. "Até amanhã", só que o amanhã atrasou. Vivian não tinha ação. Dezenas de curiosos já se aproximavam ao acidente e ela permanecia, estática em lágrimas correntes, com a cabeça sem saber o que pensar. Então lembrou uma coisa: não ter dito que amava a mãe, esses anos. Recordou de declarações longínquas, ainda criança, quando não hesitava em expor todo o amor pela mãe. Com a adolescência, veio o silêncio. Não lembrou da última vez que havia dito "eu te amo". E foi ao chão, em prantos.

Logo apareceu Jussara, prima, e acodiu a inconsolável Vivian. Desprovida de raciocínios, deitou no sofá. Ouvia toda a movimentação do lado de fora, choro, socorros, o cheiro de fumaça. Lutou o abatimento e, com esforço, levantou-se e saiu. O inferno à porta de casa. A correria em câmera lenta, semelhante a um filme-catástrofe hollywoodiano. A lua, de refletor, clareava o poço em chamas. Vizinhos enxotavam-se em meio ao absurdo e nada vivo saía da outrora locomotiva. Vivian sabia o que tinha visto, mas ainda acreditava. Um milagre, ou coisa parecida. Mas os deuses não sobrevoavam a vila, esses dias.

Mais tarde, os jornais noticiaram: sem sobreviventes. Alguns corpos identificáveis, outros não. Vivian pediu para não se preocuparem com isso, queria a lembrança da mãe viva. Não suportaria olhá-la daquele jeito. A causa do acidente, segundo a explicação de alguns técnicos, foi uma falha nos trilhos causado por algum outro veículo, possivelmente um caminhão que por ali passou. Estão atrás de alguns motoristas conhecidos, para averiguar o ocorrido. O Estado promete pôr atrás das grades o(s) responsável(eis) pelo dano causado nos trilhos. O presidente declarou luto nacional. E a dor dos familiares das vítimas - vítimas, também - a paróquia de Padre Monteiro cuida. A missa é daqui a alguns dias.