sábado, 25 de julho de 2009

otranseuntequesonhavaserumasonda.

O transeunte que sonhava ser uma sonda ajustou os olhos e, amparado pelos óculos riscados, mirou o zepelim americano que vigiava a cidade há alguns dias. Admirava, acima de tudo, a cor reluzente do incansável flutuante; o amarelo mais vivo existente entre os mortos da Terra. Os militares sabem bem mascarar de bonito as mazelas que cometem. Gomes, o transeunte, comparava-os à chuva de granizo que, por trás de sua beleza natural, destrói casas e automóveis com a força de sua ação incontrolável. A diferença é que os pequenos blocos de gelo não põem uniforme nem atacam em nome da liberdade nacional. Com os pés exigindo descanso, ventilou os pulmões e andou mais dois quarteirões até alcançar o apartamento do tio, Vicente. Prometera visitá-lo há uns meses, então tomou vergonha. O debilitado estado do parente vermelhou o branco dos olhos de Gomes e o gosto salgado na boca foi imediato. O tio sofrera um derrame e ninguém havia lhe avisado, a antiga camareira não mais trabalhava na casa e os meninos, Ítalo e Renan, pareciam mais preocupados com a banda. Formada há três anos, e uma demo sequer não exisitia. O tio não reconheceu Gomes, talves fossem os óculos, mas não. A memória partira quando a doença se estabeleceu no longevo corpo do tio; setenta e sete anos na labuta desgastam mais do que qualquer enfermidade. "És aquele amigo jogador do pequeno Renan, não és?", repetiu duas vezes Vicente, lacerando o peito do sobrinho de angústia. Deu um forte abraço no tio, como quem se desculpa e despede ao mesmo tempo, e saiu cabisbaixo. Não ser reconhecido por quem o ensinou a andar de bicicleta, jogar poker, por quem comprava revistas pornográficas sem o pai saber, provocou tanta aflição no transeunte que sentiu os músculos do tórax retraírem-se de um modo até faltar-lhe ar. Sentou na calçada úmida esperando a recuperação do organismo abalado e queixou-se sobre o rumo de nossas vidas.

Lembranças de Amanda devoraram o já de pé transeunte, elas sempre o atingiam quando a tristeza dos fatos sobressaía a razão. Nunca amou tanto uma mulher. E tinha certeza da reciprocidade do sentimento, o deslaço acontecera por conta de uma viagem apenas de ida da moça às montanhas argentinas. Os pais, à trabalho, exigiram que a filha os acompanhasse, pondo fim, assim, ao eterno romance de oito meses dos ainda jovens. Gomes jamais a esqueceu e sonha regularmente, acordado ou não, com o retorno de Amanda à cidade. Cidade que há três anos não mais brilha. Três anos, e o cheiro de sabonete de Amanda ainda o acordava quando a mente ousava não dormir. Um amor eclipsado cuja interrompida evolução permanece viva, e dolorida, no coração de Gomes. Talvez entendesse, sendo uma sonda, os porquês do desencontro. Penetraria os corpos, as mentes, os complexos universos existentes em cada ser humano e tentaria compreender, apenas compreender.

As hélices da dúvida alojaram-se entre as carnes do cérebro do transeunte amargurado. Apanhou um táxi e foi à praça, abraçar o verde das árvores dos passarinhos. Deitado na grama, tentou ouvi-los assobiar.

- silêncio -

2 comentários:

Afense disse...

sinto pena do pobre Gomes...
nessas horas o silêncio é umas das coisas mais angustiantes de se ouvir.

e pra variar, seu Xela, ficou do caralho

abraasss

Lucas disse...

filho da puta
;*