terça-feira, 16 de novembro de 2010

pré-visão de temporeal.

"O tempo está no tempo. O tempo é para imaginar."

ela chora
mil dores num dia-ano
ontem, hoje, amanhã
serra-me o espírito em corpo
desgastado e indisposto
como o pente do fuzil sem munições
pós-guerra.

queria a paz do berço.

aninhar teus dilemas ao silêncio
conseguir ser mais rápido que as horas
tornarmo-nos ponteiros
do nosso próprio relógio.

mesmo as tartarugas
obtêm incontáveis recordes
se souberem apreciar.

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

amor de rodas.

O mesmo nome, a mesma idade. Coincidências entre famílias tão distintas. Todos os elementos cimentavam de ouro o início de um romance conceitualmente impecável, perfeito. O garoto experimentava, pela primeira vez, uma concreta estória de amor, além das películas dos filmes que tanto ovacionava, uns nem tanto. Tentou não atemorizar A garota, sobrevivente de um assombroso primeiro namoro, cuja dolorosa experiência pouco atrapalhara a nova, totalmente nova. Assim foram os iniciais toques, as lágrimas compartilhadas, os corações que expeliam, palavra por palavra, camuflagens então desconhecidas, o começo dos entraves, lágrimas mais graves, suores menos dissolúveis; de um lado, familiares frios e ausentes, do outro, chamas sufocantes, e os dois percorriam, num entrelaço de almas, o trânsito natural das coisas. Ora com sorrisos, ora desesperançosos, porque o amor se cultiva e sustenta na esperança. A falência de um remete, automaticamente, ao préstito fúnebre de seu complementar.

Hoje, mais de um ano depois, o rapaz e a moça se mantêm insistentes no lindo labirinto de amar. Feriram-se, anteontem, arranhões bestas, mas que em certos momentos possuem a destrutiva força de um genocídio. Ontem os vi, cicatrizados e maravilhados com a calda do sorvete de uma delicatessen no Centro. Pergunto-me se amanhã ainda resistirá em suas bocas o sabor de sobremesa, e até quando. Não saberemos. Porém adoro visualizar seus futuros, recheados de paz e compreensão, novas e inevitáveis dores melhor manuseadas, festas para as crianças, o dorido enterro do melhor amigo, cachorros, cachaças, abraços se partindo para em minutos se reconstituírem. A vida é feita de reconstruções. E não terminarei este texto de forma definitiva, com conclusão ou desfecho satisfatório; prefiro a estrada, que um dia pode amanhecer ponte ou transcender-se em mar. Quem tenta adivinhar permite o escape do agora, latente e vivo. Sobra-me torcer. Por ele e por ela. Por mim e por você.

Sem fim

segunda-feira, 8 de novembro de 2010

from guts.

Não me compreenderiam. Mantêm-se ocupados na perquirição de ácidos mais intensos, distraídos em subornadas orgias físicas e psicológicas permitidas para menores de dezoito anos. Minha ínsita tendência à solidão desperta dedos-juízes, de esquizofrênico a maníaco-depressivo, a lista de apostas é grande. Inacreditável esse vício das pessoas, ou mecanismo de defesa, em apontar doenças aos outros cujas diferenças causam repulsa às suas eufonias particulares, como se ter câncer fosse mais indigno do que se masturbar às custas da infâmia corporal sofrida por milhares de mulheres rendidas ao universo da prostituição, por exemplo. E não são apenas vídeos eróticos; é o registro de uma realidade quebrantada pela consumpção moral da sociedade democrático-excludente por onde ainda nos rastejamos. Sim, também pertenço à universal categoria dos que julgam, no entanto assumo minha criminalidade de olhos inchados e envergonhados, em busca do póstero estado de perfeição anímica pelo qual todos vivem, mesmo inconscientemente. Há de se respeitar os variáveis estágios evolutivos de cada ser, contudo é impossível deter um vômito.

A entorpecida cólera ativa-se em diarréia de reflexões e sentimentos transferidos para um pedaço de papel virtual de restritíssimo alcance, não me entrego, não enquanto caminhar; perseguirei a lucidez em indecifráveis micróbios, o microscópio da vida sempre a postos, no ônibus, no filme, na esmola negada, na irritação sem aparente motivo. Sigo a guerrilha na tentativa de decalcar Gandhi, ler os tão-desconhecidos olhos de Jesus, longe de nobre posição, o ápice não é meta para o amanhã; incontáveis etapas gritam ultrapassagem. A facilidade não transpõe o estágio de palavra, inexiste neste mundo, coarctado e lôbrego mundo cujas crias se anavalham entre si numa indomável azia global que desvirgina, como resultado, valores fundamentais ao passo contínuo e anódino. Fraqueja o estômago, os pés porfiam com o terreno custoso e abrem-se os portões aos pensamentos movediços; todo homem é um homem-bomba. Que tem, porém, a oportunidade de ser coroado com muitos mais do que 72 virgens, se acionar o botão do conhecimento em defesa da vida. Em quantas mãos a educação é manejada afetuosamente? Quantas nações fatiam sabedoria de mentes puras? Independente de crenças, discrepâncias políticas, língua nativa ou cor, nós precisamos saber. Eles precisam saber.

terça-feira, 2 de novembro de 2010

anotações - madrugada de 3 de novembro de 2010

" Os hóspedes ressonam o dia mais espremido do ano nos quartos, busco apagar os cigarros intermitentes mas fracasso, a fumaça de sempre. Hoje sentei no terraço e puxei uma cadeira para Deus. Pude sentir um ardor na garganta, ao duvidar sua existência primordial, porque naquela cadeira Ele não estava, porém uma de suas células parecera vibrar diante de meus olhos, minúscula e quase imperceptível, era uma pequenina flâmula invisível que me fez suspender a cabeça para trás, o frio do inferno queima, as toalhas jogadas ao longo da semana, desistir nunca foi uma escolha, muro após muro aprendi a me reerguer, a vacina mirava-me flutuante e, em frações de segundo, senti seu remédio no centro da testa. Está aqui, o ponto que indica: o incompreensível."


" Meia noite e meia, o abafado do quarto me impede de progredir o texto preterido. Oscilações continuam constantes no núcleo espiritual, a nuca como um imã de angústias, permanecem as vontades. De gritar, de sumir, de esgotar até o limite as profundidades humanas. Resta-me deitar; en sueños yo puedo alzar vuelo sin gasolina."


"Direções não faltam; o que me escapa é o controle do transporte."


"Em uma única interrogação residem centenas de sangrias. Em uma simples resposta, o estancamento."


"De todos os homens do universo, espelho-me apenas naquele cujos pensamentos o direcionam à luz do esclarecimento, pois quem segue exterminadores da elucidação vagará pelas trevas da ignorância aos risos, achando-se afortunado, e cairá, inevitavelmente, em abismo de demorada reparação."


"Ontem, o erro. Hoje, a conscientização. Amanhã, o passado."