segunda-feira, 29 de dezembro de 2008

Nobody, no body.

O vazio de Fortunato era tanto que transbordou à garrafa de vinho.



Garrafas de vinho,
no entanto,
podem ser compradas.

segunda-feira, 22 de dezembro de 2008

Feliz Natal

Estreando na direção (de um longa), o ator Selton Mello faz de uma celebração natalina um primoroso estudo de personagens amargurados e aprisionados ao passado, contrapondo a suposta (e, talvez, imposta) alegria da data aos traumas e dores de uma família extremamente desestruturada. Com grandiosa sensibilidade, Mello alcança êxito em seu primeiro longa-metragem e se mostra um cineasta autoral e promissor.

O filme acompanha Caio (Leonardo Medeiros), um homem que busca, no natal, reconciliar-se com a família. Logo na abertura da produção Selton acerta ao retratar a profissão de seu personagem (narrativamente perfeita, a escolha de um ferro-velho como local de trabalho de Caio) com closes nos carros degradados, ferrugens e sujeira. Então Caio viaja à cidade grande com a esperança de reatar os laços afetivos com sua família. Ressalva para a tomada em que o cineasta mostra a estrada de dentro do ônibus, aparecendo simultâneamente um crucifixo no painel do transporte, o que simboliza a fé e/ou a esperança do personagem em relação àquela jornada.

Na festa, percebemos o distanciamento de Caio com os membros da família; alguns mais repressivos - como o pai (Lúcio Mauro) - e outros, porém, receptivos - caso da mãe (Darlene Glória) e do seu sobrinho Pedro (Fabrício Reis - valeu Laís por achar o nome pra mim) . O motivo desse mal-estar é, até então, implícito. O cineasta põe em cheque os valores de uma sociedade em que a compaixão e a solidariedade para com o próximo se fazem presentes apenas em datas comemorativas; tendo como seu maior exemplo o natal. Reparem como o cineasta expõe a contradição da data quando Fabiana (Graziella Moretto) - cunhada de Caio - distribui os presentes com uma alegria questionável e, ao mesmo tempo, Caio e seu irmão Theo discutem na escada da casa (e o segundo fato é, com certeza, o reflexo da realidade daquela família). E é como se ouvíssemos da boca do próprio diretor as palavras proferidas por Mércia ao questionar a celebração, chamando os convidados de aproveitadores, sanguessugas e vampiros (cena esta que tem um belo desfecho quando a câmera enfoca os cabelos brancos de Mércia desmaiada no banheiro, ressaltando a inflexibilidade do tempo).

A direção de arte - elaborada por Renata Pinheiro - representa fielmente a situação decadente em que se encontram os habitantes daquele "lar". Notem que os espelhos da casa são manchados, portas enferrujadas, paredes mofadas, a piscina suja, com folhas ao redor; não é assim tão longíqua a relação entre a casa da família com o ferro-velho em que Caio trabalha (e o estado da casa dos amigos de Caio também é deplorável). A fotografia, quase sempre escura e pesada, ilustra o sombrio estado emocional dos personagens. Detalhe para a belíssima tomada em que, após conversa com o irmão, Theo caminha e deixa a casa dos amigos. A câmera desfocada faz com que a silhueta de Theo lembre a de um alienígena, o que intensifica a idéia do distanciamento da relação entre os dois parentes.

O fato que mais me impressiona na produção, contudo, é como o roteiro utiliza-se de um instrumento fundamental - carro(s) - como guia para a melhor compreensão do espectador sobre o principal acontecimento envolvendo Caio. São diversas cenas em que carros estão ativamente presentes na narrativa: as crianças ganham carros de brinquedos na festa de natal; Caio hesita ao observar a velocidade de um veículo na rua; Caio observa um carro sendo consertado enquanto está na padaria e bruscamente deixa o estabelecimento; a inocente brincadeira de seu sobrinho ao dizer "verde...vermelho!", trocando as funções das cores no semáforo e, claro, o desfecho do filme, onde o carrinho de brinquedo pode ser observado na cômoda do quarto, ao lado dos remédios (Outro forte instrumento narrativo adotado por Selton. Observe como, na conversa com a mãe, Caio dá ênfase à importância de "tomar os remédios na dosagem certa", o que pode ser interligado ao final do filme). Outra maneira que o diretor usa para explicar os fatos é utilizar as aparições e visões tidas por Caio. Jamais tornando-as irreais ou exageradas, o estreante diretor acerta nestas aparições, desprezando os muitas vezes indevidos flashbacks.

Extraindo soberbas atuações de seu elenco (destaque especial para Leonardo Medeiros e Darlene Glória), Selton Mello cria uma esplêndida obra que analisa as relações humanas de forma sensível e verdadeira. O melhor filme nacional do ano, sem dúvida. Aguardo ansiosamente o próximo projeto deste que é um dos grandes atores de sua geração e, agora, um dos mais talentosos e promissores cineastas do país.

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

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o incêndio entre teus cílios provocou em mim, Gelo, fusão.

terça-feira, 16 de dezembro de 2008

Cashback

Eu não sou ávido freqüentador de festivais de cinema. Comecei, de fato, ano passado, quando fui pela primeira vez à Expectativa/Retrospectiva que ocorre anualmente no Cinema da Fundação. Vi A Casa de Alice, de Chico Texeira. Produção vencedora de alguns prêmios, o que, portanto, fez crescer em mim a vontade de prestigiá-la. É normal entre a grande parte dos espectadores de um festival assistir aos filmes "renomados", de cineastas e atores mais conhecidos. A fundamental função de um festival para mim é, porém, conceder acesso às produções que dificilmente chegarão aos cinemas mais perto de você ou, até mesmo, às locadoras. Assim, procuro sempre o desconhecido (jamais descartando Allen's e Lynch's). Muitas vezes quebro a cara: "que lixo!". Mas o prazer em descortinar espetaculares obras como Cashback (Sean Ellis, 2006) é impagável.

Derivado de um curta (indicado ao Oscar) homônimo do próprio Ellis, o longa inglês é um deleite visual cujo inteligentíssimo roteiro capacita ao diretor tomadas esteticamente desbundantes. Centrado no universo emocional de Ben (Sean Biggerstaff), o filme acompanha o jovem estudante de artes plásticas após o rompimento de sua relação com a namorada e, logo na primeira cena, o cineasta utiliza um slow-motion primoroso que se encaixa perfeitamente com a narrativa do filme e seu tema principal: o tempo. Sem conseguir dormir, Ben arranja emprego em um supermercado e logo cria amizade com seus exóticos amigos de trabalho. Refugiando-se contra a lentidão e a monotonia do passar das horas, Ben imagina poder parar o tempo para assim melhor apreciar a beleza das coisas e suas formas, escapando também da caótica realidade em trânsito.

É este "poder" de Ben o instrumento que Sean Ellis utiliza para criar belíssimas e inovadoras cenas em que o universo, estático, é apenas capaz de ser observado pelo personagem (e, obviamente, por nós). E a nudez exposta em diversos momentos - principalmente na cena do supermercado - jamais é apelativa; é delicada, quase natural, como de fato é aos olhos do personagem-espectador. Igualmente eficiente, o lado cômico de Cashback consegue divertir na medida certa, sem extroplar (deslizando apenas em algumas cenas envolvendo o lutador de kung fu Brian, responsável, no entanto, pela cena mais engraçada do longa).

Utilizando apropriadamente a narração em off, o roteiro de Ellis sempre enfatiza a idéia da importância do tempo e a onipresença deste em nossas vidas. Perceba como o placar do jogo, quando Ben congela o tempo após Jenkins levar uma bolada no nariz, aponta um segundo para o final do mesmo. O que demonstra notória sutileza do diretor, levando em consideração, acima de tudo, a relevância de "um segundo" para uma cena chave do filme, ocorrida em uma festa. Cena esta onde Ben profere uma das melhores falas do filme, quando conclui que "é possível parar o tempo, diminuir seu ritmo, mas não voltar e desfazer algo já feito" (algo do tipo, não lembro palavra por palavra), demonstrando tanto a vulnerabilidade do personagem em questão quanto a nossa, meros espectadores incapazes de interferir na história.

Maior surpresa positiva do festival Expectativa 2009/Retrospectiva 2008, Cashback torna-se memorável e um dos melhores filmes vistos, por mim, esse ano. Grandioso em todos seus aspectos, resta-nos torcer para o dvd do filme habitar o maioria das locadoras no país, possibilitando, assim, maior visibilidade para uma produção capaz de congelar o tempo.

quarta-feira, 10 de dezembro de 2008

terça-feira, 9 de dezembro de 2008

Cadê ela?

Hoje, o sol esqueceu de acordar.
As pálpebras cansadas se entregam à escuridão e os cílios superiores acariciam os inferiores, rendendo-se, por fim, à completa união.
A exaustão evita os sonhos, o sono é pleno. Pleno até as buzinas, os choros, as tevês; a vida. O corpo acorda, dormindo. E não, não adianta, o céu permanece escuro. São dez da manhã.

Ela mudou.

Sempre viva, toda alegria e eletricidade da cidade refletiam em seus olhos onipresentes. Refletiam. O abraço deu lugar ao intacto, as mãos às armas, as rosas ao concreto. Até o mar - certas vezes nervoso, mas sempre amigo - resolveu agridir. É, ela mudou.

A vida.

Talvez por vingança, ou pelos necessários desafios no caminho. Talvez ela tenha cansado, como as pálpebras. Quem sabe saiu de férias, viajou. Foi em busca de amigos ficados para trás com do tempo, como o sentido e a esperença, antes tão presentes. Não sei. Indago, portanto, ao amigo leitor: ainda vive a vida?

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