terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Sunny night.

Inerte permaneci. Ela inabilitara minha voz, e, cabisbaixo, os hemisférios debruçavam-se em meus ombros de maneira angustiante, resultando em asfixia.

- Parece que o loquaz moço, cuja excentricidade tanto me chamava atenção, perdeu-se ao longo dos anos que me abstive.

Quanto controle, Deus...

- Pessoas mudam, Emily. Demonstrar por fora algo inexistente por dentro é complicado quando se passa dos 30. Cansa-se. Nunca estive tão cansado em minha vida. O saturante cotidiano de nossas vidas exterminou as frases engraçadas e irônicas da minha mente. Não vejo mais motivo algum para ser como outrora fui. Quer dizer, não via.
- Agora vê?
- Bem na minha frente.

Pela primeira vez, desde seu retorno, Emily não me encarava. As facas e espingardas previamente apontadas à minha face bruscamente foram ao chão após minha resposta. E eu, mesmo desarmando-a, não domei a bela; minhas mãos trêmulas confirmavam isto.

- Não sou mais menina, Kei. Não irei me deslumbrar por qualquer frase treinada em frente ao espelho repetidas vezes.
- Pretensiosa, como sempre...
- Não é pretensão, é enxergar além do óbvio. Vivi o suficiente pra entender que a ventura é efêmera e a dor é roupa; só troca-se o tipo - a razão. Como, depois de nove anos, você tem a audácia de me definir tão importante?
- Porque você é, Ly. Tentar descrever como eu me senti esses anos longe do Brasil ...é difícil. Fui contra minha vontade, você tem plena ciência desde o dia do embarque. E, uma vez lá, eu não pretendia voltar, admito. A tortura do afastamento foi massacrante, mas a devastação que sentia ao ver-te morando com ele era insuportável. Não julgue, foi auto-defesa. Regressar à Ontario talvez me traria, do passado, algo novo. Estupidez. Nove anos em busca de algo inalcançável, acima do Equador. Quisera ser bentônico, isolado de toda insanidade terrestre. Sonhei, certa noite, que estava em um navio luxuoso e, enquanto todos festejam a riqueza(material) daquele momento, eu me afastava lentamente e me via, de repente, encostado à âncora da embarcação. Analisei aquele pedaço de aço por alguns segundos e, com algum esforço, atirei-me mar, agarrado ao equipamento. Desacordei com o choque e, ao tornar, meus olhos encheram-se de águas. Sim, eram salgadas, mas não filhas do mar. Eram minhas e esvaíam-se pelo meu rosto enquanto as luzes e os abraços oceânicos me acolhiam alegremente. Então, eu acordei. E a primeira imagem que me veio à cabeça foi teu sorriso aconchegante, me reconfortando no dia da queda na escadaria do cinema. Chorei por alguns segundos e percebi que, longe de ti, meu mar é só areia.

Com o rosto lindamente encharcado, Emily me abraçou e fizemos amor por indetermináveis horas. O sol reaparecera e iluminava suavemente o castanho dos seus olhos. O trem havia voltado aos trilhos.

2 comentários:

Luiza Judice disse...

Bonito, bonito.

Daqui a pouco Alex começará a escrever contos eróticos ;)
hahaha

Alexandre Cunha disse...

Só se for envolvendo você e eu ;)