terça-feira, 10 de janeiro de 2017

O som de bombas dentro de um quarto

E volta-se à estaca zero, dedos percorrendo o teclado claro do notebook, a vida retorna à literatura quando a realidade nos mastiga. Recomponho-me. Não tenho mais idade para desequilíbrios emocionais, pueris, os medos entre os dedos trêmulos de quem escreve como se deve: para sobreviver. Danem-se manuais, crônicas de amor reescritas tanto quanto artigos científicos, poemas com notas de rodapé. Mas preciso me recompor, não adianta querer agredir (como eu quis), querer matar (como eu quis) essas noites sentenciadas pelo lodo dos séculos. O esgoto da humanidade, aterrado pelo progresso ou simplesmente ignorado por nossas cabeças sempre distraídas. A Era das distrações em massa. O espetáculo dos desatentos, no globo da morte que é o planeta, a rodar sob o vácuo de um universo inalcançável, rodar, rodar, peregrinamente dar voltas e mais voltas. À estaca zero.

No passado e na ficção, dias de horrores, prazeres intermitentes, buscas por respostas e afirmativas cravadas com ponto final. O quanto sabemos? Se lêssemos as prateleiras de todas as bibliotecas, se nos entregássemos aos labores empíricos do campo e da cidade, quanto saberíamos realmente? Não lhe incomoda ter consciência plena dos nossos limites? A liberdade inventada para nos alegrarmos com as amarras; piscinas são cópias de lagos, condicionadores de ar são cópias do vento na montanha, filmes são cópias de nossas ilusões.

Quem desce às correntezas do ser antevê o infinito e seus tentáculos. Como nos primeiros milênios, ainda morremos de medo. Tateamos pelas florestas internas, engatinhamos, ainda choramos como bebês. Nunca cresceremos? Preciso , preciso me recompor e deixar que a vida me embriague até apagar. Olho as veias em relevo nos braços: aqui corre sangue, aqui escorre. Venceremos a vida? Ou continuaremos a viver?



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