terça-feira, 3 de agosto de 2010

jangadeiro.

Meu mar me abandonou, amor. Só areia e rocha neste sertão litorâneo, sobrou foi dor inundada, eu bem suspeitei. Não éramos mais os mesmos, carinho, o tempo repeliu carícias como o intenso brilho do sol afasta pupilas. Ardeu demais. Incêndio irreparável, devastando minhas plantas, olha as folhas sem cor, enterradas aos pedaços. Agora é tudo uma coisa só: areia e cinzas. Os coqueiros, dá pra enxergar, afeto?, secos, sem frutos, igualzinho a mim, um côco ao inverso, escuro por dentro. E eu nem culpo o estrangeiro. Quais perspectivas tenho, quando danado o continente trocará de lado e a neve me contemplará com um casarão de jardim e garagem? Acho difícil. Quase impossível, abraço, um guindaste me agarrar pelas costas e me elevar à classe superior. Eu que estou nem aí pra dinheiro, verde só meu matagal, azul?, azul do meu céu bipolar, somente ele, muito obrigado pelos conselhos, daqui eu não saio, não. Pra alimentar piada na boca do povo? Porque a graça de rir dos outros é covardia de quem não se alcançou. Ainda perambula dentro de si, como larva presa no casulo.

É revolta de furacão, mesmo, mas de que adianta? Tirar o teto, rachar as paredes, vá, me diga, de que vai me servir matar o canadense se junto com ele a alma dela se enterrará? Prefiro minha solidão companheira, desde quando fazia castelinhos na praia, ninguém via mas eu ria, porque mandava nos soldados de palitos de picolé. E os amendoins cozidos eram as cabeças dos traidores que rolavam à cova d'água, por trás da colossal construção, e eu ria. Só, como um lunático, desde menino. Por isso me apeguei tanto, paixão, quando ela fez de mim sua morada. Era um dilúvio de saliva, ali mesmo, naquela varanda sob os olhos do mundo, lembro como fosse hoje, ela em cima, me remando, e a cadência levando-nos aos mais remotos pedaços de chão do mundo, duas marolinhas, sem pressão atmosférica, apenas encanto. E perdoe eu me avermelhar deste jeito, viu, ficar com o rosto como quem tomou banho, desculpe pelo embaraço. Ela parece ter ativado, ao abandonar a aldeia, um interruptor dentro de mim para, sempre que meus pensamentos a visitarem, uma discreta cachoeira escorrer dos olhos como agora.

Mas estou melhorando. Achar você, nessa gaveta empoeirada pelas estações, me trouxe um pequeno conforto. 3x4, pequenina e simétrica, gigantesca ao meu coração de pus. Sorte sua, ter o rosto dela impregnado ao seu, ela sorrindo, fazia tempo ela não sorria assim pra mim, e pra você ela fará isso para sempre. Não é inveja, ou talvez até um pouco, não ligue para minhas falhas. Só peço que se mantenha assim, viva, mesmo perdendo cor, textura, viva para o mundo, viva para mim, que mão nenhuma a rasgue, parta no meio como ela me fatiou. Eu que nem tenho carteira para guardá-la devidamente. Vou colá-la na porta da geladeira, pode ser? E que me nutra a cada alimentação realizada, a força da carne, observa-me daí, enquanto durmo, enquanto pesco, durante os recessos mais angustiantes. Eu hei de me restabelecer, prometo, nadar longos minutos como antigamente, recuperar o peso, se ela me encontrasse deste jeito capaz de rir na minha cara, perguntar se contraí aids. Vai que um dia o navio em que ela está naufraga, o avião pousa forçado aqui mesmo, nas mesmas ondas onde tanto dançamos flutuantes, os pés sem tocar o solo, o sol tocando-nos de longe. Minha vitalidade juvenil deixou rastros, ainda consigo resgatá-la, ao contrário de Simone. E eu não consigo cumprir a estúpida promessa de jamais repetir seu nome, parece maldição de Zeus, basta olhar a rede que a última sílaba se transforma em preposição; de Simone. O sofá, a banheira, meu antigo som portátil, tudo. Tudo é dela. Sempre foi. E o meu medo é nunca deixar de ser.

Um ano e dois meses não é nada, é? Daqui a pouco, entre uma chuva e outra, esquecerei sem sequer lembrar que esqueci, sua imagem permanecerá mas como um mancha que um dia sangrou e feriu, sem incomodar, apenas ali, presente, e inseparável. Ou você acha, minha linda, que eu vou envelhecer remoendo essa dorzinha insuportável? Com essa idéia absurda de te repatriar em minhas coxas, ein, miserável, você acha que eu sou o quê?, um mísero platelminto sem reações?, tenho 29 anos na cara, não vou deixar que uma putinha de Recife me arranque os cabelos precocemente. Meu Pai, mãe do céu, o que é que eu fiz, não, não, onde está a cola, cadê a porra da cola, puta que pariu, minha vida, me perdoa, você conhece minha impulsividade. É mais fácil eu colar os dedos do que seu pequeninos detritos, e ainda mais estas lágrimas de bosta a me atrapalhar o serviço, não dá. Desculpa, é impossível, nem com costura, tudo amassado, picotado, não há como reparar. Desculpa. Não há.

2 comentários:

Anônimo disse...

Lindo, poeta.
Bjs
Madre

Anônimo disse...

Com essa eu me debulhei em lágrimas.