quarta-feira, 15 de abril de 2009

Ioiô.

Enclausurado no silêncio, observo vidas aproximarem-se à minha. Turistas ansiosos, cuja curiosidade esbarra na invisível capa isolante que envolve meu corpo. Tudo chega, nada estaciona. E eles julgam ser de propósito, minha vegetação. Peço licença e repito: não é por mal. Batalho, diariamente, contra o escudo ulceroso. Tento imobilizá-lo, jogá-lo ao chão, mas me falta a determinação de Davi. Não sei. Talvez o mundo definhou minhas pernas, dilacerou meus joelhos. São tantos os devaneios, Céus, que minha cabeça tornou-se chumbo. Há algum nexo nesses códigos que transcrevo? Precisa ter? Já não me adianta a compreensão das coisas. Não me entendam, é desnecessário. Imprescindível é criar, expor, pôr. Me refugio por cá, então.
Quis reencontrar meu pai. Conversar com o homem que me tornou possível habitar esse abismo ensolarado seria, talvez, simplificador. Uma cerveja nunca desceu tão nauseante. O embaraço daquelas conversas improdutivas me fez desejar extinção à humanidade, à natureza; quis ser Deus para optar por não criar essa galáxia. Não tenho pai, descobri hoje, mais do que nunca. Será que eu, ao ter filhos, serei pai? Não quero ser herói, Batman e Wolverine desempenham bem suas funções. Só desejo ouvir um dia, da boca de um filho meu, alguma frase simples, guardada num frasco, mas que me comprovem o cumprimento da missão. “Você é um pai do caralho”, só. Descarto ‘eu te amo’s, às vezes inibe. Até palavras, se não forem necessárias, podem permanecer trancadas. Apenas gostaria de ter certeza, uma única vez na vida: a de ter sido um verdadeiro pai.

Nunca, nunca imaginei o rumo que minha estadia tomaria com o andar do relógio. O desajustamento dos sentimentos em sigilo, o medo da voz, a insipidez noturna. Eu, mosaico desorganizado, incompleto, que grito mais do que qualquer homem morto, fui, um dia, diversão. A vida leve flutuava no parque da escola. Meu único anseio reservava-se ao tamanho do escorrego. Era tão grande, mas eu também era. Então o enfrentava, sem receio de descompassar e cair de cara na areia. E se caísse, sorriria sujo. Porque nada se equiparava ao vento massageando meu rosto, alegre, agradecendo à gravidade. Hoje o vento necrosa. Perdi a afeição por declives e tenho nojo absurdo de qualquer terreno arenoso. Isso deve passar com o tempo, não é? Deve passar. Ninguém sobrevive, por muito tempo, com infecção no membro amputado. A medicina evoluiu. Isso há de sarar.

3 comentários:

Gabriela Alcântara disse...

ainda não perdi os prazeres da infância...adoro um escorrego =x
e tu vai ser um pai do caralho, certeza (:

Luiza Judice disse...

Deve ser um filho do caralho, e vai ser um pai do caralho, e quem sabe um marido do caralho? :)

Imagina que romântico tua futura esposa se declarando pra você: "Alexandre, você é um marido do caralho!".
Tocante.

beijos, menino alex :*
você é um escritor do caralho ;)

Karla Sanchez disse...

Eu só pensei em dizer "tu é um escritor do CARALHO!" entretanto alguém se adiantou... também não é uma opnião lá muito original.
Enfim, tu é do caralho, escritor!