terça-feira, 7 de abril de 2009

Deserto ilhado.

O sol destilava as preocupações da noite anterior, quando Becky sentiu, nos ombros, os cautelosos dedos do homem da máscara. Surpresa e assustada, a garota britânica forçou um doloroso sorriso e perguntou em que poderia ajudar o longervo cidadão mascarado. "Teu hímem tem ímã", vociferou com dificuldade e, centuplicando o absurdo do momento, arrancou dos bolsos um preservativo aparentemente usado e jogou-o aos pés da paralisada Becky. A imigrante, mais estrangeira do que nunca, em diáspora, rumou ao comércio mais próximo, onde fez chover dos olhos. Despercebida, a adolescente acalmou-se o suficiente para deixar o estabelecimento e buscou, só com o olhar, qualquer sinal do pervertido sem face. Para seu alívio, a cênica figura desaparecera.

Em casa, o uísque falsificado em nada ajudava no esvaziamento de sua mente. Nunca havia se sentido tão só, e o convívio consigo mesma nulificava qualquer esperança de dias melhores. O pai só retornaria ao sábado e, por algum motivo, Becky não desejava ouvir sua voz. Preferiu a mudez escura do quarto, onde, sentada no chão, inundava a visão com lágrimas e álcool. O ponteiro do relógio agonizava lentamente. Um, dois, dois e meio, dois de novo, três...nada permanecia retilíneo. O corpo, então, entregou-se ao desgasto e Rebecca, estilhaçada, adormecia.

Tornou horas depois, tão vazia quanto o estômago. Visitou a geladeira, degustou algumas frutas e tentou escrever algo para o trabalho da semana seguinte. Apesar de admirá-lo, Marx não despertava sua literatura. Mandou-o à merda duas vezes e sua dialética três. A ideia de ter que encarar a universidade na tarde seguinte fez toda bebida, ingerida pré-sono, abandonar seu corpo, encharcando os rascunhos e alguns de seus cds. Não acreditava como um único dia poderia ser assim, tão dilacerante, tão filho da puta. Omitiu a ojeriza e resolveu caminhar na praia. A areia úmida folgou as correntes nos seus calcanhares. Fingiu ser livre. O acostamento, quase desabitado, atraiu aqueles passos itinerantes.



Os pés corriam, ainda que descalços.

2 comentários:

Gabriela Alcântara disse...

essa becky me entende (:

Luiza Judice disse...

"teu hímen tem ímã".
gostei disso. soa bem, hahah

bonito texto, pra variar.
:*