sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

a long song

son house mantinha a voz
a vitrola iluminada de azul
"you know, love, love is a worried old heart disease"
incontestável
estiquei-me ao violão debruçado na parede cinzenta
um homem nasce da madeira
e canta como um pássaro no descanso de sua árvore
os dedos não mais são meus, são do homem
e o assisto com arrepios na nuca
desfilando no vendaval de acordes
os pés descalços, em pedais invisíveis,
atraem a atenção das formigas
visão privilegiada
tentei me abaixar, mas estava imóvel
só via
o homem golpeando as cordas com um afeto agressivo
enquanto as suas trepidavam no interior
calara-se a vitrola
assistia comigo o quadro em criação
e por mais alguns minutos a vida encontrou-se em resumo

surdo de melodias que valem um movimento de translação, sinto saudades do homem
do instrumento-ser cuja sonoridade me fez bater asas aos anos 60
um nevoeiro desagasalha a rua há dias
falta-me ânimo, sobra falta
para onde voara o artista?
talvez embasbacasse jovens celibatárias que vão em busca de corpo nos bares da lua
quem sabe não toca para uma platéia planetária
aqui é que não está, o artista
foi-se junto aos meus anos
deixou-me rugas e um bisturi dentro do peito
esquecido
um sumiço sutil e brutal
como há de ser a morte da alegria
entre os dias
quase sem perceber.

pela manhã pensei tê-lo reencontrado, quando abracei Marieta debaixo da adequada chuva
e senti seu busto febril me esquentar dos pés à cabeça
pela manhã.

Um comentário:

Ardiles Bispo disse...

escreva um livro, q eu compro pro meu filho!
kkkkkkk