terça-feira, 20 de abril de 2010

amnésia.

opacidade dominical
desde cedo se instala
lamaçal no piso onde piso
onde o pé afunda estático
a lembrança um eco
vejo uma fazenda e de nada recordo
um pulôver descansado na cadeira
ambos negros, como minha memória
perdida por motivos desconhecidos
sem dor ou sangue aparente


arrasto-me pelo arrozal
há luzes num casebre não distante
lá encontrarei respostas para clarificar-me
já ouço vozes, sim, uma discussão
má impressão sinto, aliado a um tremor no bíceps
vá e não volte!, grita uma mulher de idade na janela
com um chamativo candelabro em uma das mãos
o mendigo sai cambaleante
olha-me sem encarar e continua
desaparece murmurando insatisfação pela espórtula não dada
a senhora me investiga em silêncio
abre a porta como quem convida
entro e sento sem pedir
a mulher parece me conhecer
por respeito e alguns minutos, não dá uma palavra sequer
me chama por Levi, enfim
seu tom melífluo surpreende meu pré-conceito
eu jamais ouvira aquela voz
pergunta-me por que demorei tanto
avisa, quase imperceptível, a chegada de Raul
e pela entonação no nome percebi correr um certo perigo
como um bêbado, pergunto onde estou
mas antes que a questão fosse resolvida
apago

.

um pequeno gato mia aos meus pés
o inchaço no dedão direito lateja à cabeça
também ferida
atropelo uma ferramenta metálica ao tentar levantar
o gato foge
um homem entra no quarto e me aponta uma faca
manda-me deitar e rezar pois meu fim se aproxima
em centésimos de segundo, apanho a arma de sua mão
ele corre, como o gato
sós, eu e a faca
o que me trouxe aqui?
minha última recordação é Tânia no hospital
prestes a parir
de meu indicador direito um sangue sem brilho desliza ao pulso
tiro a camisa e pressiono o ferimento
atravesso um corredor estreito até uma sala de paredes rubras
que lentamente se transformam em um preto claustrofóbico
e infinito

.

a chuva me desperta
o que faço com uma faca na mão de um dedo cortado?
um do pé também me causa dores
meus ombros congelados
a água invade por todos os lados
ilhado, pulo a janela e caio numa piscina vermelha
quatro corpos bóiam simétricos
no tórax de um, cicatrizes alertam:
"1º andar"
Tânia estava amarrada à cama, desmaiada e nua
quase submersa por completa
ao retornar à consciência
Tânia me pôs para dormir

.

Um comentário:

Diego Blues disse...

esse texto como era mesmo?