sábado, 3 de abril de 2010

needle park.

A primeira seringa, nova e intocada, era destinada a Ludmila, também novata e virgem como aquele objeto tirado do plástico com cautela por Lou, o mentor. Os olhos de Ludmila brilhavam uma expectativa temerosa, esmagava os dedos contra a palma da mão com uma força assustadora; chamou a atenção dos demais. Outros dedos, calmos pela morfina, aterrissaram em seus ombros a acalmando, era Janette, compactada num vestido cor de café que fazia sua brancura reluzir como um refletor na sala nublada. Lou aproximava-se cantando em espanhol, uma mão dentro da calça, outra segurava a seringa como quem segura um bolo de aniversário, sentou-se ao chão e, entre as pernas de Ludmila, pegou-lhe o braço e esticou como um tapete. Janette ainda acalmava a pulsação de Ludmila quando a agulha penetrou sua epiderme, atingindo uma ansiosa veia. Como um deslize, a heroína confundiu-se ao seu sangue limpo e em poucos segundos seu coração acelerou, um guepardo ao céu aberto, um céu de vários sóis cujo calor invadia todo o corpo da adolescente. A euforia imediata chega como uma locomotiva, Janette a beija na clavícula esquerda, desce à cintura, novamente usa os dedos para acalmá-la, sabe que não é preciso, mas insiste em seu desejo e Ludmila ludibriada morde o lábio inferior e tem a plena certeza de estar n’outra galáxia. Em poucos minutos, retorna do nirvana e, ao perceber Janette mergulhada em sua vagina, empurra-lhe a testa com os punhos; um repentino mal-estar assola Ludmila e, aos prantos, sente-se como vomitasse ao revés. Tenta manter-se em pé, mas os joelhos parecem duas molas e desfalecem, cai junto a Janette que lambe o chão em círculos. A dois metros, Lou continua sua interpretação, agora sem roupas, a sala ziguezagueia e Ludmila grita desesperadamente, até uma tapa fechar sua boca. Zonza, da droga e do golpe, deixa as costas deitarem no piso frio e ali fica, lutando contra o estômago, o esôfago em chamas.

A serenidade pós-terremoto se faz presente; Janette dorme de boca aberta no pé do sofá, Lou calou-se, enfim, e beija um homem cujo umbigo se assemelha a um pneu, também ele se mantém em silêncio. Ludmila chora um riso mudo, os braços finos repousam paralelos, queria levantar e ir pra casa, mas a falta de força e de sentidos a apagam suavemente. Acorda uma hora depois, talvez menos, alguém toca, no violão, uma melodia conhecida. Uma voz rouca surge, Ludmila reconhece de imediato, It’s all over, baby blue, é o homem do umbigo-pneu que canta com um cigarro na boca. Tentava assobiar, mas o cigarro o impede e, entre o cigarro e o assobio, escolhe o primeiro, superando a ausência do segundo. Antes da estrofe final, um estrondo grave vem da rua; alguém bate o carro numa árvore. A motorista sai sorrindo, como se atravessasse o ponto de chegada, é alguém do prédio ao lado, Lou manda um beijo da varanda e ela mostra o dedo com vigor. Ludmila sorrir com apenas um lado da boca e olha o relógio: 04:54 da manhã, às 14:00 precisaria estar na redação, era domingo. Mal se despediu, pegou a bolsa quase vazia, na escada lembrou-se do casaco, voltou, Janette o segurava com um olhar de arrependimento. Pegou rapidamente e passou novamente pela porta que por muito tempo entraria. As pernas caminhavam trêmulas; doíam o pescoço, as costelas. Chegou no apartamento, despiu-se e, como estava, se jogou no colchão úmido com a intenção de recuperar as energias para mais um dia de trabalho no maldito jornal. Não pregou os olhos.

Um comentário:

Diego Blues disse...

beatnik!!!!!
só falta contar a historia na primeira pessoa
muito massa!!!
hsauhuuahu não, eh pico msm