sexta-feira, 7 de maio de 2010

fragmento da obra futura - part II

Entregue nessa balsa à deriva que é o cotidiano dos homens de idade, pairo sobre os cocurutos estagnados de uma juventude conformista em 3D. Sobrevoo, como uma muriçoca sem muito tempo, à procura de veias palpitantes que arriscam o próprio sangue por ideais ridicularizados ou meramente incompreendidos por milhões. O universo gira como um carrossel desgovernado, a revolução vem dos céus, das nuvens carregadas, do útero dos vulcões convulsivos, a terra trêmula duela contra as forças humanas que lhe privaram a liberdade de antes. Muito antes, quando a sinfonia das gotículas do mar era espetáculo único. Pardais não se perdiam, as pintas das onças tinham mais cor, baleias jamais encalhavam, a chuva era sagrada e sol nenhum mutilava geleiras por vingança. Hoje olho pra cima e sinto como se a esfera terrestre estivesse por se arrebentar. A gravidade nunca pesou tanto. Não é questão de velhice, reclamação de avô. Morro dia a dia, lentamente como um fumante, e o planeta parece ter me dado as mãos e desfalece junto a mim. Eu sei, ainda não sou bobo, a pele é mais sensível nesses momentos, mas os raios solares investiram em material bélico. Quando saio para caminhar, nos dias em que minha caçula não inventa de transar com o namorado, presencio claramente o bombardeio do astro maior. O centro do universo. Complexo de superioridade é, sem sombras de dúvidas, um dos males do século. Não só deste, permitam-me a correção; de todos até então. Júlio César, Alexandre, Nietszche, aquele moço de Titanic. À tarde era rei do mundo, pela madrugada virou gelo. E afundou. Ele e o Titanic. Agradeço aos ensinamentos da vida por ter levado um soco certeiro ao ousar dizer que era o melhor no futebol da vizinhança. Como uma bola de carne, a mão esquerda de Agenor. O gol mais belo que o caruaruense fizera em todos aqueles jogos. Jamais repeti tais palavras, tanto para o esporte quanto para qualquer atividade que viria realizar. De novo. Esses devaneios estão cada vez mais constantes. Não consigo sorrir sem resgatar do passado episódios que tornam o presente mais suportável.


Ontem à noite conversei com duas árvores. Relembrávamos, com nostalgia e umidade nos olhos, os bons tempos dos dinossauros, postergados quase sem rastro pelas eras futuras.

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