terça-feira, 14 de dezembro de 2010

contacto.

Assim, na exaustão do cigarro, apago as fotos na mente esfumaçada de um insone. Lembro-me da sensação de pele quente, gélidos lábios, o álcool desenhando o hálito noturno, sem imagens, apenas o cheiro e a presença. E o sussuro entre os dentes, pincelado em gemidos, na frente de quem quisesse assistir, o corpo vestido mas entregue, seu sexo ofegante em meus dedos direitos parcialmente escondidos no negrume da longa saia, ignorada, difícil esquecer mesmo após um maço. Não lavo a mão desde então, seis dias, ensaboar-me com a esquerda já se torna hábito, complicado hábito, o sono zomba-me da janela como o torcedor do time rival em dia de clássico, vitória deles, a ansiedade que goleia a mente, talvez esperança, talvez procurar na mesma boate, no mesmo bairro, esse cheiro eu reconheceria de Londres. Bem sei, não deve lembrar de um minuto, completamente embriagada, dividimos uma garrafa de Jose Cuervo em poucos goles, até hoje também o aroma de vômito pós-parto ao inverso, minha mão que nascia para dentro, as roupas ensopadas, a expulsão dos seguranças apenas arrancou-nos risos, tenho a impressão de por um momento a música parar, os olhares convergentes em nossa direção, ela gritava sorrindo aos empurrões, tão fria a rua encharcada pela chuva, afundei os passos nesses raros silêncios com que São Paulo presenteia seus transeuntes nas madrugadas libertadoras, garanto puder ouvir pardais.

Numa parada de ônibus cochilei sentado, ela diolagava com prostitutas (vi ainda acordado) numa esquina pouco aprazível, adormeci e estava bebendo numa geleira com um grupo de pinguins machos, sem suas fêmeas em caça, um menorzinho, cinza quase por completo, assobiava um famoso tango desconhecido, a cerveja de doer os dentes, era manhã, as pontas do sol estragavam a luta da lua, por um momento pensei voar mas era o enorme pedaço de gelo em navegação. Naufragamos e eu despertei com um ambulante atirando um balde d'água em meu rosto, olhei em 360º e não a encontrei, nem as raparigas.

Estarei amanhã, novamente, na casa onde a domei na palma da mão, agora as garras encravadas em mim, na cabeça torpedeada em pensamentos e suspeitas, vou com a mesma roupa, ela reconhecerá, o cheiro, com seu inconfundível perfume em minhas impressões digitais. Reconhecerá.