sábado, 4 de dezembro de 2010

do Paraguai.

(A diferença é que o coração da alma pulsa, mas não bombeia sangue).

Seus cachorros perderam os dentes, e minha boca permanece salgada. De choro e pastel de queijo. Através da comida tento saciar o vazio que transgride o estômago, as dores gastrointestinais, parece que o coração lançou mão da aflição previamente tão constante e o lado esquerdo do peito respira sem amargura. O tropel de sentimentos arruinadores resulta, com exclusividade orgânica, em intermináveis gastralgias, longe das enxaquecas, formigamentos musculares, nada, apenas o estômago em borbulhas ácidas. O corpo reclama, mas é maleável. Já para o espírito, o analgésico não é de solução oral, a gotas, é via sofrimento e reparação, sem prescrição médica e com várias contra-indicações; talvez deva ser mantido fora do alcance das crianças. Minha batalha diária é contra a chaga invisível, a sombra interna que acompanha todos os homens, poucos a admitem julgando-se em pleno domínio, reis da ignorância. É preciso relocar os passos das terras sáfaras enquanto há tempo. Se temos alguma coisa nesta vida é tempo, lento e urgente, sufocado de atrasos, perdas e superficialidades.

Stella não me compreendeu. Ou não conseguiu refletir além da impaciência esparsa, o silêncio que tenta evitar a discórdia, porque não calo por desatenção, mas, sim, para aquietar nossas malignidades intrínsecas. Ela viu repulsa em meu incômodo. E acelerou o carro como quem esmaga a cabeça do inimigo zombador, pisando, sem perceber, em minhas energias já corroídas. Não posso recriminá-la, tem também suas algaravias mentais, contudo o vicejar requer zelo coletivo para afastar a selvageria dos fungos de ordem moral que, se desassistidos, dizimam a árdua colheita da harmonia. Amanhã completarei onze meses em Pedro Juan Caballero, trezentos e trinta e cinco noites sem ouvi-la trautear músicas dos Beatles em potporri ao arrumar o invejável guarda-roupa, muitíssimo organizado e com aroma de melancia. Se meus cálculos estiverem precisos, depois de amanhã ela voa ao Canadá, em busca da especialização em moda, jornalismo e moda, o currículo engordando dois tópicos e uma vida farta de incertezas e faltas, em que hemisfério for.

Que o engano me esbofeteie e eu possa lamentar meu desnorteio sozinho. Vejo seu blog, fotos do último São João, a casa ainda de pé. O pai à beira da mesa, ainda de pé. A mãe à beira do fogão, ainda pé. Stella à beira da insanidade, mas ainda de pé. Será? Os sobreviventes cães já não mais latem, só roçam. Amigos, uns de minha época, outros desconhecidos, mesmos sorrisos de fotos, ilusórios, congelados. Que o que eu vejo seja irreal, e Stella, atualmente, já consiga dormir no próprio quarto, sozinha, com a televisão desligada.

Porque eu não consigo.

Um comentário:

Alexa disse...

Você me fez chorar. Fique ciente disso.