domingo, 12 de dezembro de 2010

losses.

Perder:

1. ficar privado de, deixar de ter (algo que se possuía), deixar (alguma coisa) extraviar-se;
2. ficar em situação desvantajosa, ter mau êxito;
3. sofrer a perda, o prejuízo de;
4. ser derrotado.



Dedilhou as primeiras cordas aos cinco anos, as virginais notas, inexistentes, reproduziam perfeitamente uma melodia exausta, como de quem ressona, mas lindíssima, profunda. O talento de David era ínsito, ainda de chupetas evocou "Espelho", de João Nogueira, apenas ao ouvi-la, solitário, na companhia do vinil e da viola, a cabeça baixa, pálpebras caídas, hirto, apenas as mãos percorriam espaço no membro de madeira do instrumento-irmão. Consumado: o menino nascera para a música, os olhos de sapoti vidravam ao acompanhar partituras, cifras desenhadas no braço, de longe pareciam gergelim em pão. Quando formou a banda reformara o foco para prioridades outras.

Os arruivados cabelos pendiam ao ombro cheio de sinais. Nunca sentou-se à mesa nas refeições, comia afastado como um empregado, rindo horrores de minhas queixas. Era o mais simples dos garotos, nada exigia em tardes de compras, tinha no sorriso uma despreocupação quase cosmonáutica, como se vivesse em outra galáxia. Arranjou uma namorada asiática muito graciosa, vegetariana e, suspeito, viciada em maconha. O cheiro era inconfundível, e diário. Mas Douglas vestira a túnica das recém-paixões e assim permanecera, hipnotizado por Mizuki, Miuki, nunca decorei. Perdeu-se também nas agruras do mundo, saiu de Porto Velho ainda de espinhas, odiava morar no cu (perdoe-me a expressão) do país, dizia.

E hoje, para o senhor ver como são as coisas, enterro o terceiro, em menos de cinco anos. Por isso eu me pergunto, pastor, adianta reza, pagar dízimo? Porque morrer de tiro, como o primeiro, e de overdose, como o segundo, todo mundo está sujeito, agora cortar a própria carne, observar a vermelhidão da sangria até escurecer-se por completo...quem, pastor, quem? Logo Luís, dos carinhos sem interregnos, das horas e horas enfurnado nos livros, logo ele, ainda de aparelho nos dentes, sempre nos cultos, diferentemente dos outros que cultuavam divindades tão deploráveis. Na carta ele tentou explicar, confidenciou dúvidas, impulsos arduamente restringidos, uma garota que chamava sua atenção, um garoto que o fazia pecar, vontades e anseios sacrificados em nome do Pai, da Igreja, mas a máxima, no meu ver destorcido de mãe que perde um filho, foi uma descoberta, uma fraude envolvendo pastor Montalvão, seu maior espelho, coisa financeira, eu não entendo muito bem.

É, concordo com o senhor, ele estava realmente confuso, podia também usar drogas escondidos, não sei. Agora não importa, vendo os três nesta parede cimentada, um em baixo do outro, três cubículos pulverulentos que representam o fim. À família, resta o pai e meu corpo, porque minha vida perambulará entre os três como os vermes, derradeiros coveiros, à procura de propósitos entre vísceras obsoletas e intransponíveis ossos.

2 comentários:

Márcio Danilo Almeida disse...

Cara, texto muito bom... Engraçado você ter postado esse texto, porque perdi um amigo na quarta-feira, que estava em depressão e não suportou, e esse texto tem passagens que se encaixam com ele. Muito bom, muito bom.

Abraço, brother.

Anônimo disse...

Lindo....triste....e real.
Bjs Poeta.