sábado, 29 de novembro de 2008

Provas e Deserto Feliz.

Última semana de aula na faculdade e, conseqüentemente, semana de prova. Trabalhos pendentes, textos e mais textos suplicando por leitura. Despedir-se do ócio, ocultar o cansaço, rejuvenescer a paciência e estudar. Férias coming soon.

Assiti hoje ao novo longa de Paulo Caldas (Baile Perfumado), Deserto Feliz, estréia da semana na cidade. O receio em que previamente me encontrava - por considerar o tema, prostituição, trivial em recentes produções nacionais - foi rapidamente dissipado ao longo da projeção. Filmado em locações pernambucanas e alemãs, Deserto Feliz acompanha a trajetória de Jéssica, adolescente de 14 anos que, por "não agüentar mais", como a própria afirma à mãe, a monotonia da cidade, os abusos do pai e a precária condição em que vive a família, opta por uma escolha comum entre jovens na mesma situação: prostituir-se. E é admirável o simbolismo utilizado por Caldas em uma cena que a menina observa, e perturba, um tatu posto dentro do poço da família, "analogizando" o desejo de ambos: escapar daquele martírio .

Fugindo para a cidade grande (Recife, mas que poderia ser qualquer capital do país), Jéssica divide um apartamento com mais algumas prostitutas, fazendo deste praticamente um prostíbulo. E um detalhe interessante: o edifício escolhido por Caldas para a realização das filmagens, o famoso Holiday, é, de fato, um prédio recifense conhecido por seus moradores exóticos (que o adjetivo não denote qualquer tipo de preconceito, pois o mesmo é inexistente), como prostitutas e travestis. É então que a jovem do interior conhece Mark, um turista alemão, usuário de drogas, por quem Jéssica instantâneamente se apaixona.

O roteiro, parceria entre Caldas, Marcelo Gomes, Manoela Dias e Xico Sá, explora com sutileza os desordenados sentimentos vividos por aquelas mulheres. Em uma das melhores cenas do filme, Pâmela (Hermila Guedes) exterioriza à Jéssica sinceros temores e arrependimentos sobre sua vida, suas escolhas. E a tristeza no olhar de Hermila, homogeneizado aos aleatórios e dispersos sorrisos (resultado claro do uso de ílicitos), retrata fielmente a crua realidade dessas jovens que, por falta de oportunidade, necessitam vender o corpo para garantir o mínimo de estabilidade financeira. Outro ponto positivo no roteiro é a ausência das "legendas guias", muito comum em produções cujas locações passam de uma cidade para outra; o que seria totalmente dispensável em Deserto Feliz, pois o espectador sabe exatamente quando Jéssica foi para o Recife e, posteriormente, para a Alemanha.

Acertando em cheio na escolha dos atores, o cineasta pernambucano extrai impecáveis atuações de todo o elenco. Nash Laila surpreende em sua estréia cinematográfica, criando um personagem complexo, com aquela chama de esperança tão usual nos jovens se contrapondo às amarguras e angústias vivenciadas por Jéssica. O sempre competente João Miguel mais uma vez arranca risos do espectador, Hermila Guedes revive uma prostituta (Baixio das Bestas, O Céu de Suely) com o mesmo empenho dos trabalhos antecedentes e o alemão Peter Ketnath demonstra enorme segurança interpretando o par romântico de Jéssica, Mark. Todos os demais, apesar de menos tempo de tela, exercem com fervor seus respectivos papéis.

Vencedor de inúmeros prêmios em festivais importantes como o Festival de Cinema Brasileiro em Paris, Festival Internacional de Cinema de Guadalajara e Festival de Cinema de Gramado, Deserto Feliz é merecedor de todos estes reconhecimentos acima citados e é sério candidato a melhor filme nacional do ano. O filme está em cartaz, no Recife, nos cinemas Rosa e Silva e no Multiplex Recife. Corram.

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