quinta-feira, 2 de julho de 2009

Expresso Prelúdio

Aglomeravam-se as estrelas, quando o expresso Prelúdio descarrilhou e se desfez, às árvores. Vivian Poncas assistiu à estação última do trem de camarote. Com uma garrafa de Villa Francioni e um pacote de Cheetos observou, da cobertura da casa, as vidas que deixavam-se de ser. Antes da explosão póstuma encandescer seus olhos, Poncas viu. Um casal guerrilhando com os destroços, tentando, inutilmente, escapar do ponto final. Vivian, paralisada, de pé, gritou pela mãe. Junto ao berro, a bola de fogo. Sentiu na pele o calor dos, agora, cinzas e jurou escutar a mãe. Danusa Poncas, engenheira de 49 anos, retornava de Posadas. As viagens à trabalho tornaram-se constantes, a crise apertara. Há dois meses longe, Danusa contou, pela última vez, que havia comprado um novo aparelho de som para a filha. "Faz muito barulho, como você gosta". Vivian agradeceu e se despediu. "Até amanhã", só que o amanhã atrasou. Vivian não tinha ação. Dezenas de curiosos já se aproximavam ao acidente e ela permanecia, estática em lágrimas correntes, com a cabeça sem saber o que pensar. Então lembrou uma coisa: não ter dito que amava a mãe, esses anos. Recordou de declarações longínquas, ainda criança, quando não hesitava em expor todo o amor pela mãe. Com a adolescência, veio o silêncio. Não lembrou da última vez que havia dito "eu te amo". E foi ao chão, em prantos.

Logo apareceu Jussara, prima, e acodiu a inconsolável Vivian. Desprovida de raciocínios, deitou no sofá. Ouvia toda a movimentação do lado de fora, choro, socorros, o cheiro de fumaça. Lutou o abatimento e, com esforço, levantou-se e saiu. O inferno à porta de casa. A correria em câmera lenta, semelhante a um filme-catástrofe hollywoodiano. A lua, de refletor, clareava o poço em chamas. Vizinhos enxotavam-se em meio ao absurdo e nada vivo saía da outrora locomotiva. Vivian sabia o que tinha visto, mas ainda acreditava. Um milagre, ou coisa parecida. Mas os deuses não sobrevoavam a vila, esses dias.

Mais tarde, os jornais noticiaram: sem sobreviventes. Alguns corpos identificáveis, outros não. Vivian pediu para não se preocuparem com isso, queria a lembrança da mãe viva. Não suportaria olhá-la daquele jeito. A causa do acidente, segundo a explicação de alguns técnicos, foi uma falha nos trilhos causado por algum outro veículo, possivelmente um caminhão que por ali passou. Estão atrás de alguns motoristas conhecidos, para averiguar o ocorrido. O Estado promete pôr atrás das grades o(s) responsável(eis) pelo dano causado nos trilhos. O presidente declarou luto nacional. E a dor dos familiares das vítimas - vítimas, também - a paróquia de Padre Monteiro cuida. A missa é daqui a alguns dias.

3 comentários:

Lorena Tabosa disse...

e tem missa que faça os deuses repensarem seu plano de voo?

belíssimo!

Afense disse...

é cacete...

Renê Freire disse...

Um colo para Vivian