quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

tolos

oscilantes corações
intérpretes de uma vida seriada
buscam hoje paz
capaz de desarmar a bomba
existente em cada mente humana.

aprendi a apreender lágrimas.

os últimas dias,
tortuosos como a vida há de ser,
me fizeram chorar as dores dos grãos de areia do fundo do mar
o abdômen retorcido
a angústia como um feto
já chorando pela liberdade ainda distante
até o lento aborto
nossos sorrisos novamente em sintonia.

rezei toda a minha fé
ninguém teme tanto o fim desse amor quanto eu
talvez só ela
cuja paixão continua latente como novo-amor
e vibra
tímpanos, pescoços molhados
por que nada é perfeito?
e se a ideia de perfeição inexiste
por que a buscamos, assim, utopicamete?
o sofrimento é a perfeição terrestre
da lama faz-se o rio
límpido e fluente, lembrança da infância
e dói me constatar que

nenhuma criança rói unha
nenhuma
nenhuma enxaqueca é mais que mero cansaço físico
nenhuma

há fases na vida que vida é o que menos há
ao tornamo-nos adultos, parecemos regridir ao ventre materno
inseguro, no entanto
sem cordão umbilical
nos perdemos em avenidas sinalizadas
e algo, alguém, não entendo bem, alguma coisa parece torcer por nossas quedas
algum desejo vingativo, dívidas passadas
não entendo bem
apenas sei
derrubam-nos diariamente sem que percebamos
vidrados na matéria, esquecemos a essência
invisível
a catástrofe existencial não terá fim
humano algum encontrará felicidade plena enquanto seus desejos resumirem-se aos materiais
buscamos resposta no outro, quando o outro também é inundado de indagações
então divorciamos, discutimos
a família, brevemente, habitará os museus
livros de história
ossificados

what will be proved?
ain't no life
never had.

domingo, 25 de outubro de 2009

hole

Desde cedo quis ser Agricultor. Achava maravilhoso o poder cultivar, fazer crescer do chão, verde e colorido, as vidas responsáveis por nossas vidas. Tanto sonhou em alimentar os filhos (queria três) com o produto do próprio esforço, manter uma situação economicamente estável no lado ainda claro do estado. Uma efeverscência admirável, a que transpirava dos poros de Roman, quando jovem, na antiga Barena. Logo devastada pela perda de dois alicerces vitais: o irmão mais velho Robert, exímio químico, cuja estrada teve término antes do terminal San Pietro, na curva Maranata; e a metalúrgica da família, fechada pelos impostos não pagos pelo pai, talvez. Nunca ficou muito claro, mas o que importava? Nada mais. A família, agora uma clausura sem o irmão e a renda, declinava na ladeira da angústia e Roman sentia todas as escoriações, mais as dos parentes que as próprias. Havia visto uma única vez a mãe chorar, no enterro de Kiko, o cachorro. Os sorrisos autenticavam a família como imbatível, problema algum era capaz de rachar tais elos de sangue, carne e terra. As lágrimas maternais tornar-se-iam rotineiras, o pai, já não mais tão forte, trancou-se num silêncio mais barulhento que os berros diários da mãe. Só se via o pai com a calculadora, e o dinheiro guardado que se esvaía e não retornava. Seria factível o reerguimento familiar? Roman não mais sonhava com hortas, lavouras. Desejava, mais que tudo, reflorescer a felicidade na família, ajudar o pai nos trabalhos, acarinhar a mãe enquanto o almoço fosse preparado. Mas não os deram trabalho. Ao pai por não ser tão jovem, a Roman por ser jovem demais. A fome acenava da varanda ao desespero já instalado em todos centímetros da casa. Roman perlustrou por toda a cidade em busca de emprego digno e recompensador; nada. O vazio no estômago esmagava a mente pútrida, quando decidiu mandar a dignidade ao inferno. Foi preso na terceira vez, ao pôr alimentos na bolsa, num supermercado, sem autorização prévia ou pagamento à vista. Numa jaula minúscula, com mais seis répteis, pensou em suicidar-se para reencontrar Robert, quem sabe estivesse bem, alimentado e rico. Desistiu, não havia forças.

Em casa, dois corpos boiavam à beira do abismo.

domingo, 18 de outubro de 2009

ao medo de perder (-te).

o fim da madrugada trouxe
ao lado do sol azedo
mal-estar

espanto-me com a fragilidade que me transformei
vidro rachado
ao me entregar à tua existência
como se fosse a minha
não mais sou único
meu espírito abriu mão de uma parte (grande parte)
para encaixar o teu e unir
nossos laços carnais em além
o amor que transgride o táctil

atrofiado sem tua respiração por perto
apelei ao sono tranquilidade
que não veio
mas, sim, distância latejando os sentidos
não consigo afirmar em que cômodo da casa estava
quando te liguei para retornar a mim
a lucidez tecendo meus pelos
eu voltaria ao normal
se não fosse a irritação

o tremor na tua voz
eu mais que ouvi, vi
a dolorosa reação do outro lado da cidade
perfurando-me o peito de mágoa
outra vez mais perdido
outra vez menos sereno
suplicando ao Pai, ou aos Tios e Avôs
que o ferimento seja superficial

precisamos sentir o vento puro em meio ao ar enegrecido.

as pequenas fúrias geram o furacão
a que todos temem adentrar
aquele que arranca Maria de João
sem vestígio, só cicatriz perpétua
cuja fisgada anestesia alguma ameniza.

sexta-feira, 25 de setembro de 2009

de que sinto mais falta?

do movimento das nuvens
observado calmamente
por nossas pernas descansadas
no sofá, na cama do lençol azul
como os dias eram sempre saboreados
pressa apenas em amar
há tempos a calma não me visita
aquela, que adormece sem medicação
e transcende aos sorrisos
a nova década por chegar
anseios elevados a dez
porque o mundo nunca esteve tão obscuro
a luz ofuscada pelo sangue, mais preto
do que vermelho
eu vi leões definharem à morte
eles, logo eles,
da garra inesgotável, grudados no concreto devastador
e eu não lembro de algum ter se reerguido
realmente não lembro
me parece, às vezes, que o rumo desandou e não tem volta
simplesmente desistimos
deitamos no campo de batalha e nos entregamos às dificuldades
e os remanescentes guerrilheiros caem,
mais uma vez e sempre,
com o chumbo invadindo-lhes os corpos
buracos entre buracos

o Brasil é uma cavidade que palpita.

(até que me provem o contrário).

sexta-feira, 11 de setembro de 2009

No retorno do trabalho, um cão. Sem força nos membros inferiores, impossibilatado de locomover-se na avenida, onde suplicava, em uivos, por socorro. Eu era o cão. Ao entrar na casa, me vi inerte, dolorido, alvo de um veículo desgovernado. A colisão. Senti o peso nas faces, mais no peito. O para-choque abrindo o tórax, os faróis.

Que culpa tive se os olhos viram o indesejável? Erro ao definir indesejado aquilo visto? A mente asfixia.

O sossego obstruído por palavras que despedaçaram-me por inteiro. Es tou em pe da ços. Sangue estagnado, não sinto o fluxo nas veias, olhos enegrecidos pela noite irreparável. Vazio. Não vazio, porque a dor preenche. Angustiamente cheio, precisando expelir, purgar estas dúvidas e receios que me rodeiam. Alacridade demolida, o corpo em escombros. Preciso enfrear-me quando o chão faltar aos pés, dosar a virulência da aflição, gota por gota. Viver exige esse controle: não se perder nas variáveis.

(pero los pies duelen).

terça-feira, 8 de setembro de 2009

sentido.

em casa, em cômodos diferentes
é mesmo que transitar

sem a mão que segura
o corpo de cair.

minhas vértebras estilhaçaram
ao som dos mosquitos
enquanto ouvi os passos da madruga urgente
cheia de expectativas
penetrar o quarto apagado
o peito estremeceu, conciso em pingos de suor solitário
trator em declive
a porta não se movia.

os trovões dentro da mente
rememorando a presença de Dira
no quarto ao lado
separados por um pedaço de madeira
e de chão
não senti nada por minutos, exceto as amígdalas
inflamadas de pus e paixão
quanto ardor!
mas a porta continuava intacta.

sentado na cama, esbocei um choro desesperado
porém mantive a seca nos olhos
mentira, chorei certos segundos
o cabelo ainda úmido do banho
tentava esfriar o couro em chamas
a vontade quase incontrolável de invadir o quarto
onde ela dormia com a irmã
esmurrei o travesseiro que ria de mim
junto com a porta, ainda fechada.

pela janela, um vento frio e oco
a lua desaparecida
eu, mais uma vez deitado, lutava contra os impulsos
que se digladiavam nas entranhas
a suculência
o aroma dos cachos
a saliva alucinógena
todos ingredientes para a inquietação noturna
o remédio
eu anseava pelo remédio; Dira, o antídoto amorenado
minha musculatura enfraquecida, cedendo ao cansaço
da espera
quanta espera?
quanto esperaria?
e quando tentei não mais esperar, de olhos ainda abertos
ouvi

a maçaneta.

quinta-feira, 27 de agosto de 2009

peAce

Quantas fisgadas fazem o amor? Meticulosamente doloridas, sentidas mais pela alma do que pelo próprio corpo. D'onde vem o sangue borbulhante? Sem corte ou arranhão de criança, cujas veias ameaçam escapolir dos braços e do restante. Sabe quando o coração inverte de função com o cérebro? E, no comando, exige abrigo? Abrigo que só ela fornece ao aprisionar minhas mãos nos quadris, rigorosamente dilacerando o controle enquanto o peito treme e aquece. O equilíbrio do meu universo umbilical depende, sobretudo, da presença. Dela. Como a gravidade é para a Terra. E perdendo a noção de dia e noite, entrelaçar pólos sem castigar as leis dos hemisférios.

Não há nada semelhante ao privilégio de compartilhar vidas. Uma na outra, acesas à escuridão da noite, onde o silêncio dos que dormem é contestado por nossas respirações ofegantes e unhas que arranham. O couro cabeludo, a pele arrepiada, membros ensopados pelo suor revelador dos amantes. E o mundo é esquecido, nada além da porta importa; a paz ininterrupta.

Enquanto houver o mar, amor não faltará destas mãos que a ti tremulam.

sexta-feira, 21 de agosto de 2009

Indelével

Submerso no quarto-chaminé, apodreci os olhos ao tentar enxergar pelas cinzas. O maço quase vazio, restando apenas dois dos vinte, pareceu-me tuas pernas semi-abertas, suando a cama de presença e amor. Qualquer cavidade recorda-me às tuas, furtivas insígnias que devastaram a longíqua suavidade dos meus atos (como a nicotina). Ao recuperar a lucidez, desliguei a tevê, enxaguei os olhos e evitei os pensamentos virulentos que costumam aterrissar quando os ares se acalmam. A relutância humana estraga as relações e decepciona os que acreditam, ou tentam, no convívio amistoso. Jamais entenderei como o paraíso dos amantes pode tornar-se em algo tão sulfúrico, tão incolor quanto as ruas por quais me rastejo rotineiramente. Deito novamente. Músculos rebeldes rejeitam meus comandos e da cama não me levanto, meu braço é o lençol desforrado que expele o odor da minha matéria inerte. Os postes se apagam, já é dia e eu não consigo clarear a vista. Buzinas matinais cumprimentam o sol que se espreguiça, a cidade boceja ao meu lado. As nuvens de Recife, as mais límpidas entre as capitais nacionais, se movem com a leveza habitual dos céus nordestinos. Consigo, enfim, desprender-me da cama e, resgatando as moedas debaixo do sofá, junto dois e setenta para comprar um novo maço. O elevador em manutenção me exigiu algum esforço para descer os quatro andares pelas escadas, sem corrimão por medo da H1N1. Espirros nunca assustaram tanto, nem o toque. Os hipnóticos degraus carregavam-me pelos pés rachados de viver, dois pobres instrumentos cuja função árdua merece todo mérito do mundo. Pétreo como um ditador, marchei à banca mais próxima e comprei meus indispensáveis assassinos. A cada trago desejo a morte do filho da puta que decretou a lei de proibição do fumo em locais públicos, mas fechados. Entendo os saudáveis, mas restringir o vício alheio é indigno; digno dos humanos. Fazem-nos fumar e censuram o ato quando parcela da sociedade se queixa. E nós é que somos desrespeitosos.

Sob os raios do astro maior decidi não retornar ao aposento aposentado. O aspecto lutuoso do velho apartamento me deprime mais do que a solidão em si, reforçada na arte das aranhas e nos azulejos despedaçados. Há meses não mais pertenço, careço de um pedaço de chão que possa chamar de lar sem cometer injustiça alguma. Mas o buraco possui lembranças das quais tenho medo de me libertar. É como se o futuro me exigisse tê-lo; o documento que mantém à mente o aprendizado imprescindível para não mais errar. Não adianta vender ou alugar, o 504 deixou de ser um mero bem material com tua partida. O descolorido é que ainda incomoda, e tinta nenhuma há de melhorar.

(só a dos teus olhos).

sexta-feira, 7 de agosto de 2009

sacramento.

escoltado por anjos insepultos
daqueles sem céu
entrei na igreja e levei o padre ao chão
dois disparos, quase sincrônicos
como os gritos dos fiéis presentes
que inundaram o chão da casa do Pai
de saliva, lágrima e medo

meu corpo febril transpirava
água benta de sangue
enquanto Alice, atordoada
debruçava-me os braços arrepiados
e me permitiu amar, pela segunda vez na vida
exumado por completo

senti certo receio
mas nada me impediria de tocá-la naquela noite de libertação
suas brandas mãos de mãe
a ternura impura
abençoando-me da cabeça aos pés
com os lábios, os mesmos que puseram pra dormir os filhos
infinitamente deslizantes

bebíamos o vinho das cerimônias
na garrafa, ou no corpo um do outro
no momento em que a polícia estacionara em frente ao local sagrado
a sirene incumbida de sino
nos alertando sobre o perigo
mas a surdez alcoólica consumira nossos tímpanos
e o universo alarmava em silêncio

então ouvimos os passos, próximos,
e o tintilhar das algemas nervosas que anseavam por meus pulsos
Alice ordenou minha fuga e, pela janela, pulei até pisotear a rua com firmeza
a mesma que me fez tirar a vida do presbítero pedófilo
antes que sua batina acolhesse outro inocente corpo nu
e mais uma vida fosse para sempre marcada

em nome do pai, do filho, do espírito santo,
amém.

sexta-feira, 31 de julho de 2009

the 19th.

no semblante do espelho, os anos.

refletidos nas costas facilmente doloridas,
na hesitação perante algum perigo previamente vivenciado,
evidenciados pelo peso das alegrias que carrego nos ombros.

a maturidade que penetra mais um pé
trazendo consigo mais responsabilidades
e o dever de zelar cautelosamente
pela família,
pelo amor,
por nós.

envelheço o mesmo, tão diferente de ontem
mas com medos, talvez mais
do que outrora tive
mas com esperança, talvez mais
nas pessoas e no futuro imaginável.

e como o diretor ansioso pela aceitação do espetáculo
torço, detrás das cortinas, por bons resultados
pois o esforço gigantesco e a dor de cabeça existem
mas o prazer do dever cumprido é inenarrável.

sábado, 25 de julho de 2009

otranseuntequesonhavaserumasonda.

O transeunte que sonhava ser uma sonda ajustou os olhos e, amparado pelos óculos riscados, mirou o zepelim americano que vigiava a cidade há alguns dias. Admirava, acima de tudo, a cor reluzente do incansável flutuante; o amarelo mais vivo existente entre os mortos da Terra. Os militares sabem bem mascarar de bonito as mazelas que cometem. Gomes, o transeunte, comparava-os à chuva de granizo que, por trás de sua beleza natural, destrói casas e automóveis com a força de sua ação incontrolável. A diferença é que os pequenos blocos de gelo não põem uniforme nem atacam em nome da liberdade nacional. Com os pés exigindo descanso, ventilou os pulmões e andou mais dois quarteirões até alcançar o apartamento do tio, Vicente. Prometera visitá-lo há uns meses, então tomou vergonha. O debilitado estado do parente vermelhou o branco dos olhos de Gomes e o gosto salgado na boca foi imediato. O tio sofrera um derrame e ninguém havia lhe avisado, a antiga camareira não mais trabalhava na casa e os meninos, Ítalo e Renan, pareciam mais preocupados com a banda. Formada há três anos, e uma demo sequer não exisitia. O tio não reconheceu Gomes, talves fossem os óculos, mas não. A memória partira quando a doença se estabeleceu no longevo corpo do tio; setenta e sete anos na labuta desgastam mais do que qualquer enfermidade. "És aquele amigo jogador do pequeno Renan, não és?", repetiu duas vezes Vicente, lacerando o peito do sobrinho de angústia. Deu um forte abraço no tio, como quem se desculpa e despede ao mesmo tempo, e saiu cabisbaixo. Não ser reconhecido por quem o ensinou a andar de bicicleta, jogar poker, por quem comprava revistas pornográficas sem o pai saber, provocou tanta aflição no transeunte que sentiu os músculos do tórax retraírem-se de um modo até faltar-lhe ar. Sentou na calçada úmida esperando a recuperação do organismo abalado e queixou-se sobre o rumo de nossas vidas.

Lembranças de Amanda devoraram o já de pé transeunte, elas sempre o atingiam quando a tristeza dos fatos sobressaía a razão. Nunca amou tanto uma mulher. E tinha certeza da reciprocidade do sentimento, o deslaço acontecera por conta de uma viagem apenas de ida da moça às montanhas argentinas. Os pais, à trabalho, exigiram que a filha os acompanhasse, pondo fim, assim, ao eterno romance de oito meses dos ainda jovens. Gomes jamais a esqueceu e sonha regularmente, acordado ou não, com o retorno de Amanda à cidade. Cidade que há três anos não mais brilha. Três anos, e o cheiro de sabonete de Amanda ainda o acordava quando a mente ousava não dormir. Um amor eclipsado cuja interrompida evolução permanece viva, e dolorida, no coração de Gomes. Talvez entendesse, sendo uma sonda, os porquês do desencontro. Penetraria os corpos, as mentes, os complexos universos existentes em cada ser humano e tentaria compreender, apenas compreender.

As hélices da dúvida alojaram-se entre as carnes do cérebro do transeunte amargurado. Apanhou um táxi e foi à praça, abraçar o verde das árvores dos passarinhos. Deitado na grama, tentou ouvi-los assobiar.

- silêncio -

quinta-feira, 23 de julho de 2009

entreatos

A vivacidade das madrugadas transpirantes
solene troca de calores e suspiros
renderam-me o direito de querer
sempre querer
mal acostumado, de exigir sem abrir a boca

Paginei os momentos, os moldurei ao teto
porque na parede seria injusto, é necessário altura
que esteja à altura do sentimento compartilhado
no chão da casa vigiada

E quando não tenho, a faiscação de nossas matérias
amoleço injustamente, desanimado
por padecer à sombra da solidão de um quarto oco
sem teus passos a me acalentar a nuca
desprovida de arrepios

Pensamentos coléricos debatem-se em minha mente
sobre a intensidade do amor, a incerta perpetuidade
pessimismo que grita 'nada dura' aos meus ouvidos
então caio no lago que eu mesmo encharquei

Logo passa, porém, com o sono semi-dormido
entre sonhos e espirros acordados
o sol raia e a pele é trocada
eu, tão jovem quanto velho
banho o corpo e vou ao teu encontro

Novo, como ontem.

sexta-feira, 17 de julho de 2009

that's why

Sabe, nossas angústias inesgotáveis nada mais eram que efêmeras, foram-se com as nuvens. A lacuna perante a família, como a ausência do pai descoroçoou a convivência. Tudo doía horrores. Mas há o tempo. Hoje tudo aquilo simplesmente me parece bobagem, os hóspedes que martirizam um dia vão. Dos hematomas dissolvidos na água dos dias sem freio, todos desalojados da minha pele, lembro atualmente com deboche. Temi por muito tempo a solidão que tantos aconchegam, lívidos pela ausência. Tremi os membros até ter os teus, sob os meus e quente, transpondo tua fragrância à minha. Hoje, não tão bambo, caminho com menos fisgadas aos joelhos. A mente ainda não espulgada, porém, me identifica com o passado e com os anos que jamais vivi, apesar do registro nos documentos. O velho que não cresceu, indagativo como um turista cuja jornada é conhecer todos os importantes locais da cidade que visita. E, dos idosos, a vulnerabilidade é o que mais em mim se encontra, agora mais do que nunca. Agora que me despi aos teus ouvidos didáticos e reencontrei a leveza de ser. Sou, desde então, teus dedos; abrigado em tuas mãos não importe o dia. E o encanto ao adentrar teu universo corporal, poro por poro, edifica meus calejados pés.

Por isso,
caminho.

Por ti,
caminho

_ _________

o esquecido.

(só pra você não esquecer).

quinta-feira, 9 de julho de 2009

for a sec.

Os lábios de nitroglicerina tiranizaram a sensatez dos pensamentos meus. Meu raciocínio, antigamente perspicaz, jamais fora tão abalado por outro humano, por alguém que ri e sangra como eu. Gotejei os olhos, ontem, até reencontrar a calma. Denodei a garganta e mandei às favas essas preocupações sobre como ajo. Deitei. Fui acordado, horas depois, por tubarões famintos que me arrancaram uma perna e parte do pescoço. Incompleto, liguei. E sua voz regenerou-me suavemente, minuto a minuto, como um pedreiro que reergue, tijolo por tijolo, uma parede degradada.

Logo percebo quão precipitado fui, mas não me importo; era o fim do mundo, na hora. Ao versejar, aliviei-me como de costume. A única saída quando a noite assola o quarto e, sozinho, nada te ilumina.

domingo, 5 de julho de 2009

Don't need title.

Deita, Morena. Eu ponho a mesa, pode descansar.
Não te preocupes tanto, a vida merece desconto.
As cobranças, as queixas, deixa. Acalenta, não liga para as reclamações.
O tempo corre demais? Eu desacelero o relógio.
Atraso, adianto, paro se precisar.
Conciliar teus horários, mover até que encaixe.

Teme não, Lua. Zelarei teus passos, pé ante pé.
Atirarão, pendularão o chão nosso.
Mas tu tens minhas mãos, indestrutíveis.
E meus ouvidos e olhos. Fale. Do cachorro, à melancolia. Do engraçado, ao triste.
Não hesite, acorde-me qualquer hora.
Madruga aos meus braços, aguardando o cantar do sol.

É veraz, Cheek. Tudo dito, tudo sentido, tudo exteriorizado.
Só eu sei, eu e mais ninguém, o tamanho disso tudo.
Impossível de empilhar.

(pause)

- sem saber como terminar -

(play)

O carinho interminável, o cuidado preocupante; o amor.
Que ameniza, que engrandece e solidifica o abstrato.
Teu,
só teu.

(never felt so warm).

sábado, 4 de julho de 2009

paleozóico.

Odeio ter que escrever. Não suporto, às vezes, essa necessidade filha da puta de pôr pra fora.

Hoje, queria uma gilete. Abrir-me por inteiro, sem receio de infeccionar. Queria dizer o quanto temo, o quanto penso, o quanto inundo, o quanto amo. Gostaria de ter certeza, uma vez na vida, hoje. Ao menos hoje, apenas hoje. Preciso escoar os hemisférios debruçados em meus ombros; perdi minha fixidez.

Não posso exigir isenção da vida, mas sou nocivo a mim mesmo. Nocauteio-me à escuridão de indagações regressivas, meus rins se contorcem numa valsa desesperada em busca de respostas terapêuticas. A mente variante que vascoleja os resquícios de uma escassa temperança. Eu, triturado há 19 anos pelo consumo gravitacional, suplico: clareza.

O horizonte trepida.

quinta-feira, 2 de julho de 2009

Expresso Prelúdio

Aglomeravam-se as estrelas, quando o expresso Prelúdio descarrilhou e se desfez, às árvores. Vivian Poncas assistiu à estação última do trem de camarote. Com uma garrafa de Villa Francioni e um pacote de Cheetos observou, da cobertura da casa, as vidas que deixavam-se de ser. Antes da explosão póstuma encandescer seus olhos, Poncas viu. Um casal guerrilhando com os destroços, tentando, inutilmente, escapar do ponto final. Vivian, paralisada, de pé, gritou pela mãe. Junto ao berro, a bola de fogo. Sentiu na pele o calor dos, agora, cinzas e jurou escutar a mãe. Danusa Poncas, engenheira de 49 anos, retornava de Posadas. As viagens à trabalho tornaram-se constantes, a crise apertara. Há dois meses longe, Danusa contou, pela última vez, que havia comprado um novo aparelho de som para a filha. "Faz muito barulho, como você gosta". Vivian agradeceu e se despediu. "Até amanhã", só que o amanhã atrasou. Vivian não tinha ação. Dezenas de curiosos já se aproximavam ao acidente e ela permanecia, estática em lágrimas correntes, com a cabeça sem saber o que pensar. Então lembrou uma coisa: não ter dito que amava a mãe, esses anos. Recordou de declarações longínquas, ainda criança, quando não hesitava em expor todo o amor pela mãe. Com a adolescência, veio o silêncio. Não lembrou da última vez que havia dito "eu te amo". E foi ao chão, em prantos.

Logo apareceu Jussara, prima, e acodiu a inconsolável Vivian. Desprovida de raciocínios, deitou no sofá. Ouvia toda a movimentação do lado de fora, choro, socorros, o cheiro de fumaça. Lutou o abatimento e, com esforço, levantou-se e saiu. O inferno à porta de casa. A correria em câmera lenta, semelhante a um filme-catástrofe hollywoodiano. A lua, de refletor, clareava o poço em chamas. Vizinhos enxotavam-se em meio ao absurdo e nada vivo saía da outrora locomotiva. Vivian sabia o que tinha visto, mas ainda acreditava. Um milagre, ou coisa parecida. Mas os deuses não sobrevoavam a vila, esses dias.

Mais tarde, os jornais noticiaram: sem sobreviventes. Alguns corpos identificáveis, outros não. Vivian pediu para não se preocuparem com isso, queria a lembrança da mãe viva. Não suportaria olhá-la daquele jeito. A causa do acidente, segundo a explicação de alguns técnicos, foi uma falha nos trilhos causado por algum outro veículo, possivelmente um caminhão que por ali passou. Estão atrás de alguns motoristas conhecidos, para averiguar o ocorrido. O Estado promete pôr atrás das grades o(s) responsável(eis) pelo dano causado nos trilhos. O presidente declarou luto nacional. E a dor dos familiares das vítimas - vítimas, também - a paróquia de Padre Monteiro cuida. A missa é daqui a alguns dias.

sábado, 27 de junho de 2009

~~~~~~

Once I had a cold heart, and it melted.

quinta-feira, 25 de junho de 2009

HD

sou verme, leão sem dente
a tranquilidade do Rio de Janeiro passado
sou futebol, cinema e rock
o best seller nunca comprado

sou dor, sou sangue sem veia
a insegurança do virgem nu
sou virgem maria, jesus cristo
espírita, evangélico, hindu

sou as possibilidades da minha cabeça
o cruzamento sem sinalização
sou a navalha dos deprimidos
o curativo, a cicatrização

sou a inocência da menininha
a preocupação da mãe e do pai
sou o conselho do psicólogo
o paciente que nunca vai

sou o enigma indecifrável
o cão agonizante que teima em não ir
sou o assopro em meio ao fogo
os automóveis, fábricas a poluir

sou a carência do intocado
a beleza, o mistério do morrer
sou a esperança do aflito
apenas mais um, muito prazer.

vida e morte Américo

A contenção silenciosa de Américo tornou-o em solidão. Eu tive, entre poucos, o privilégio de ouvi-lo. E como era enriquecedor. Américo não era tímido. O mutismo era, sim, opcional e, após entendê-lo, compreensível. Apesar da pouca idade, Américo cansara do cotidiano, das relações humanas. Para ele, tudo exigia o dobro do possível. Os incuráveis valores da sociedade moderna mutilavam, aos pouco e sempre, as forças físicas e mentais do olindense. "A necessidade da eficiência", resumia ele. Ser eficiente no trabalho, na banda, no sexo. E tudo isso o consumia em preocupações que foram a base para o seu exílio. Renegou trabalhos por sabe que, agora ou mais tarde, outro mais competente o fuzilaria (e não era uma questão de pessimismo). O mesmo com as mulheres. Após desastrosa experiência com Rita - e confissões públicas por parte da moça que puseram a imagem de Américo na merda -, ele desistiu, também, dos envolvimentos amorosos. "Se eu não sou capaz, não consigo ser satisfatório, por que tentar? De tanto cair, a chuva pára", disse-me uma vez.

E assim ia, longe do convívio urbano, cantando filmes e transando livros. Hoje, cinco meses após meu último contato, recebi a notícia de sua morte. Perdeu o controle da sua moto, na rodovia chuvosa, e só parou na traseira de um caminhão recolhedor de lixo. Morreu no lixo. Sem mão de amigo ou choro de esposa. Só, no lixo.

domingo, 21 de junho de 2009

a voz

a voz que mais arranca é a de dentro, a da cabeça, a que a boca não ousa falar. a voz que te põe em dúvida, lateja possibilidades e assola o peito de areia. ela, que inabilita os pés de Vitória correrem aos de Paulo. esse som mudo que leva tantos a clínicas de internação, à insanidade, ao suicídio. o perigo da voz de dentro é que ninguém, de fora, escuta.

(e eu nada escreveria se me ouvissem por inteiro).

quinta-feira, 18 de junho de 2009

sunny precious time.

varandas abriram-se ao amanhecer
extasiadas pela nossa brisa
mansa, mantida em sigilo
para que não anoitecesse

o oxigênio compartilhado, dividindo-se em dois
um para cada nariz, e eu zelava
para o seu não abafar
e manter intacta, assim, a serenidade do teu sono

minutos flutuantes acompanhavam-nos
contrariando a ideia de tempo
e permanecíamos, o relógio ignorado
à favor do entrelaço emudecido

a hora chegara, porém
como sempre chega ao sol
que descansa para, n'outro dia, iluminar uma vez mais
o mundo por ele guardado

e até a outra manhã, fica o cheiro
ubíquo, como tua imagem,
na minha mente, que se aloja
e dorme, me deixando acordado.

sexta-feira, 12 de junho de 2009

Amio.

Há indagações batidas. Deus existe? O Brasil tem jeito? Existe vida após a morte? A paz mundial é possível? Entre tantas interrogações, a definição sobre o que é o amor me fascina, em especial. Sempre que alguém profere algo sobre o assunto, calo e escuto. É sensacional a pluralidade de conceitos, a convergência de alguns, a insanidade, para mim, de outros e por aí vai. Lembro-me bem, e acho que para sempre, de uma antiga colega de classe que resumia o amor como "poder dizer eu te amo durante um boquete e não preocupar-se em soar meloso nem promíscuo". Achei fantástica, em específico, a utilização do "meloso". E é, de certa forma, totalmente coerente a afirmação da moça. Mas não gosto de compactar, numa frase ou duas, algo tão gigantesco e desconhecido como o amor. Amor. Quatro letras que causam morte, vida, lágrimas, que nos impede a alimentação e fraqueja nossos atos. Duas vogais somadas a duas consoantes que multiplicam sentimentos mais diversos e rompem barreiras divisórias.

Não ouso defini-lo, só o observo. Entendo o amor como o percurso de um rio. Inicia-se como um fio, e cresce. A nascente se expande e atinge níveis estonteantes. Vêm as tempestades, os galhos, as jangadas, o lixo atirado, os peixes a nadar, a morrer, o sol que banha e evaporiza. Às margens, inúmeros elementos que contribuem para a complexidade do flúmen. Árvores analisam a movimentação aquática, animais deleitam-se com sua beleza e outros apenas a invejam. Alguns têm quedas d'água. Mas, da queda, da violência gravitacional, vem a serenidade, às vezes ensanguentada, porém amena, sem ondas revoltosas nem traiçoeiros ventos. E a fluência estabiliza-se. Uns desembocam em lagos, outros no mar ou noutros rios. Portanto, um rio não acaba. Assim como um amor verdadeiro. Ambos só precisam da confluência, da junção de forças para permanecerem vivos. Se poluírem, paciência. Se a seca intervir, espera. Se é amor, realmente amor, a chuva traz de volta.

domingo, 7 de junho de 2009

the blue bus is callin' us.

corroemo-nos gradativamente sem encostar os dedos nem abrir a boca. o declínio previsto, enfim à vista, se aproxima, dançante como navalhas. o mar que avança. a neve que cobre. o sol que incendeia. não adiantará migrar. a humanidade trancar-se-á nas consequências do presente. jim morrison e os demais deuses retornarão ao inferno e ecoarão, uníssonos, pela derradeira vez:

"this is the end, beautiful friend.
this is the end, my only friend, the end."

the end.

sábado, 6 de junho de 2009

[ between ]

Da parada, eu senti todo o cansaço físico e mental daquele motorista de ônibus. O pescoço lutava para manter erguida a cabeça curvada, sem força, expondo todo o desgaste pelos olhos, sem olhar. Subi, então, no transporte público. E paguei. Contraste ainda maior foi observar, pelos ouvidos, a rotina do condutor. Guiava a máquina ao longo do dia, tarde e noite, chovendo ou queimando e, no fim do expediente, precisava apanhar outro coletivo, agora como passageiro, para, quarenta minutos depois, retornar à sua casa. Para dormir cinco horas, e acordar. Sem querer, mas lutar. Porque a necessidade é uma prisão. Privam-se os direitos, acentuam-se os deveres e a utópica liberdade resume-se à de consumir, ao livre arbítrio de comprar essa ou aquela mercadoria. E a ousadia escancarada é o que mais me revolta. "Life tastes good", diz um slogan da Coca-Cola. Outra marca de bebida nos manda continuar andando, mas como andar se arrancam-nos os pés ? Como têm a cara-de-pau de afirmar que a vida tem um bom gosto quando a porcentagem de pessoas abaixo do nível de pobreza é alardante e continua a crescer?

Ainda dentro do veículo, minutos depois, uma menininha entrou distribuindo escritos do tipo "Minha mãe está doente, tenho 4 irmãos e preciso de dinheiro para alimentos", tão comuns e, para alguns, irritantes ao ponto de negarem, ao menos, segurá-los. Eu, na idade da garotinha, também usava pequenos pedaços de papel, para inventar estórias, no entanto, ou desenhar algo que minha mente infantil criava inocentemente. Acompanhei o trajeto da pequena pelo ônibus e o sorriso dado de presente aos passageiros que contribuíam com algumas moedas fez meu peito apertar-se de uma forma inesperada. Era de uma alegria, para mim, impossível de existir em qualquer humano que se encontrasse em estado semelhante. E o cuidado em guardar as moedinhas na pochete improvisada me fez refletir sobre quão importante seria, para ela, aqueles pequenos objetos de aço inoxidável que, com frequência, esqueço nos bolsos ou simplesmente me nego a usá-los. Me senti um merda e quis não mais pensar. O caminho da faculdade ao meu apartamento é, quase com certeza, o mais reflexivo do dia. Penso, entre avenidas, semáforos e buzinas, tentando entender os congestionamentos da vida. E percebo, na maioria das vezes, que apesar das diversas vias, tudo converge à um túnel interditado. Às vezes acredito nas obras, nos novos viadutos e pontes, mas basta algum tempo para que eu caia, novamente, em buracos.

Chego em casa, enfim. Tento distrair-me em alguém, em algum filme, em alguma canção. Dá certo, algumas vezes. Outras, não. Quando não, trago-me para cá. E desmorono. Em frases lidas por poucos. Em sentimentos sentidos por muitos. Mas tudo bem. Jajá eu reergo, e o dejá-vù sempre volta.

domingo, 31 de maio de 2009

transição.

A clandestinidade dos nossos encontros reforçavam a ideia de revolução. Despejaste em meu cotidiano bandeiras e explosivos de afeto. Eu tentava manter a lei, mas teus braços subversivos enclausuravam meus direitos, e eu, ilegal, me rendia aos teus crimes apaziguadores. Até então, eu não tinha certeza na realidade desse sonho. A beleza ao teu redor, hipnotizante e amarela, parecia-me irreal, às vezes. Algo ofuscava o brilho, enfraquecendo a luz. Hoje eu sei. Era simplesmente insegurança que, com o tempo, se desfez.

(O caos dissolvido na saliva).

Nada nos preocupa, nem a vida. A morte é filme. Basta-nos as mãos dadas, e um pouco de privacidade. Dois corpos palpitantes, simétricos, que dançam ao som do silêncio. A gravidade inexiste, e voamos. À lua, às galáxias. Eduquei-me, ao teu lado. Aperfeiçoei minha fala, tornei-me pontual; tu, sistema educacional perfeito. Devo ser mesmo de sorte, ou, vai ver, a vida assim quis, simples e com sorrisos. Se assim for, peço à vida apenas uma coisa: a eternidade desse querer.

(Deixa envolver, o amor cuida do resto).

segunda-feira, 25 de maio de 2009

Odeio guarda-chuva

Sou neve, abalo-me facilmente. Vento, fogo, tudo me desfaz, me derrete. Não possuo a característica frieza, no entanto. Nada em mim gela, exceto as mãos. Devo ser vapor, então. E de tanto segurar-me, segurar-me, chovo. Sem molhar os outros, mas chovo, alagando o peito de aperto.

Ar. Gostaria de ser só ar.

sexta-feira, 22 de maio de 2009

relatosdeumavidaassistida.

Casei-me por conivência, talvez. A declaração de um padre nunca havia me ensurdecido tanto. Tão cortante quanto o arroz que nos atiravam, à saída. A cada grão arremessado, uma janela fechava-se em mim, neblando o remanescente céu dos meus olhos castanhos. Katherine, uma pluma branca e branda, acenava, em lágrimas sorridentes, aos familiares e amigos presentes. O carro nos aguardava. Era um impecável Chysler PT Cruiser, 2002, conversível e de uma negritude reluzente encantadora. Sr. Cheadle entregou-me as chaves, nos deu um só abraço e juntou-se aos demais espectadores da minha felicidade encenada. Abri e fechei a porta para Kathy. O caminho da sua porta à minha foi, talvez, o mais confuso da minha vida, até então. Quis correr, gritar, deixar, mas permaneci. Ao pôr as mãos no volante, observei a aliança por alguns instantes. Aquele simples objeto cristalino envolvia não só um dedo, mas todo meu corpo, fazendo com que este transpirasse absurdamente frio. Katherine repousou as digitais em minha nuca e perguntou se estava tudo bem. Sorri, morrendo, e confirmei a mentira. Liguei o automóvel e dirigi, aos poucos, observando, pelo retrovisor, a alegria daquelas pessoas que depositaram em mim total confiança e afeto. A placidez matutina de Carson City contrariava meu desarranjo sentimental. Daltrey enxaguava a calçada, em frente de sua pizzaria, assobiando algum black-blues, como ele sempre rotulava. Buzinei e vi seu reflexo tentando identificar-nos. "Puta que pariu, não convidei Daltrey", pensei indignado. A exagerada cautela de Katherine e sua mãe em relação à capacidade limite da igreja me fez relegar várias presenças, para mim, indispensáveis. O erro alimentado desde a elaboração da lista de convidados à escolha do local. Apenas Johnathan, meu irmão mais novo, tinha ciência do meu desgosto. E me questionava, diariamente, por qual motivo eu me mantinha estático, por que raios não desistia da ideia e seguia em frente, mesmo que só e trêmulo. Eu não sabia ao certo, na época. Para extrair, de vez, a solidão, talvez. Necessitava de alguém ao lado e Katherine era, sim, uma prazerosa companhia. A beleza canadense que sempre me cativou, desde o primeiro dia, não era, no entanto, suficiente. Algo permanecia, em mim, vazio. E não a culpo, sempre foi prestativa, atenciosa. Simplesmente não encaixava. Era como servir água a um alcoólatra em abstinência. Fingi satisfação até meu limite. Enfim, após sete meses, cindimos. Katherine nunca me perdoou e a entendo, sem rancores - apesar de suicidar-me a cada dia por saber que triturei dezenas de seus sonhos.

Regressei à Birmingham, à casa de antigos amigos da diuturna adolescência que tive no Reino Unido. Como tínhamos mudado, Deus, e, ainda assim, nos mantínhamos os mesmos. Dave, Kirsten, Gloria e Nikolas. Meu real casamento, cinco em um. Fui recebido como nunca. Núpcias nos cinemas da cidade, procedidos por intermináveis conversas no bar da rua de trás. Meu reabastecimento por completo. Álcool, amigos, amor. Nos mês seguinte, Nikolas arranjou-me um emprego na livraria do seu tio. Lá, lendo Proust, eu perceberia o quão feliz fui quando decidi retornar ao meu berço. Lá, à noite, numa quinta-feira, eu entenderia que, realmente, nada acontece por acaso.

sexta-feira, 15 de maio de 2009

Day Old News

Textito de quase um ano, mas que calha bem ao atual momento. "It's funny how some things change and some just stay the same".


A mania, minha, de endeusar as pessoas já está batida. Enobreço o mendigo, santifico o cruel. Então não se espante, não é que seja amor; é só um humilde pedestal. E, de baixo, me submeto à submissão. E, de cima, tu, tua lenidade, reverdecendo o que de sombrio em mim resta. E quero deixar florescer. Mas me contenho. A pândega da vida não engana mais. Sempre há variantes quedas. E quando caio, fico. Por um tempo, por uns dias. Até levantar, marcado pelo asfalto. "É preciso cautela, bicho", sempre me disse Uncle Bill. Nunca demonstrar, confiar por completo. Rules of attraction, they say. Fuck them all, I say.

É endocardíaco. Só as artérias têm ideia, do quanto de tu existe aqui. Entopem, nos minutos que precedem tua presença. E desfaleço, acordado. Meu estômago com cãimbras, impossibilitando a aterrissagem de qualquer alimento. Então te vejo, e Deus existe. Medicina milagrosa, amém. Teus braços se fundindo aos meus. E isso basta. Deixa chover, que isso me basta.

domingo, 10 de maio de 2009

Ta-ta-talkin'

Gustavo e eu conversávamos sobre impressões. Estética, posições, tudo é julgado, somos sempre julgados - e juízes. E era esse o maior fardo do interiorano: ser julgado por apenas ser. Por vestir a camisa, usar os óculos, citar Foucault. Constantemente estereotipado, mas nunca conhecido. Ninguém o conhecia. Mas alguém conhece, plenamente, um outro alguém? O convívio nos dá ideias. Inúmeras reais, outras nem tanto. Visão de raio-x é limitada ao organismo. Nunca nos conheceremos por completo. Há sempre algo omitido, um pensamento, um olhar, um sonhar, um lamento. E o motivo de não exteriorizarmos tais sentimentos não interessa (a ninguém). Cada um sabe o porquê. Emitir, às vezes, é desnecessário. E nem por isso podemos ser considerados introspectivos, desconfiados. Somos humanos. E isso deveria bastar. Entre cigarros e presságios de chuva, Gustavo repetia a vontade de entender as mulheres. A capacidade de dizimar, com um "não.", corações e genitais alheios - de uma só vez - é admirável, dizia ele. De acordo, ri e defendi a impossibilidade da compreensão, novamente. "Pergunta se Tom Cruise, mesmo após tantas missões impossíveis, entende Katie Holmes", brinquei. E defendi, me despedindo, o mistério. É da dúvida que vem a beleza humana. O questionar-se alimenta os pés. Necessitamos de resultados, obviamente, mas é a constante interrogação que nos faz refletir e, consequentemente, evoluir.

Porque no dia da clareza, do entendimento pleno, a vida não mais essência terá.

sábado, 2 de maio de 2009

Digital Experience.

Eu fotografava, primeiramente, no intuito de tocar, de alguma forma, o que minhas mãos desejavam caladas. Era a vida, e as pessoas que faziam dela morte. Tão imperfeitas, como eu e ela, dois pontos de interrogação entre orações coordenadas e descoordenadas. Era extrair água de tijolo. E guardá-la, na pasta, no computador, só por guardar. Manter seguro o que não acontecia. Porque o maior medo da humanidade é a mudança. O novo preocupa, enquanto o antigo - por já ser amigo - transpira confiança, estabilidade. Idiotice. O velho desgasta, envelhece, e é a novidade que recorda a vida de que a mesma ainda existe.

Naquela noite fria, esqueci a câmera. Meus dedos choravam a ausência da prótese, da lente que tateava. Estalei os dez, mais o pescoço, e deixei as divagações na chuva. Não posso remover o navio naufragado se a tripulação discorda. A maré sabe o que faz.

Os degradados degraus da escadaria que me levara ao constante trânsito buscavam deter meus passos. O engarrafamento em seus olhos freava o automotor existente em mim.



Voltei pra casa, a pé.

terça-feira, 28 de abril de 2009

Pedestre, mantenha-se à calçada.

"By the sidewalk, it's safer". By the sidewalk, then. Always by the sidewalk.

But I want some road.

domingo, 26 de abril de 2009

Same old story.

Da quietude veio Eleonora, que já havia crucificado Cristo uma vez. Jesus, agora imberbe, transformava em vinho todo líquido despejado em suas mãos, contrariando o gosto etílico de Eleonora. Ela, por sua vez, o contrariava a sua maneira. E como ela era experiente, Pai. Jesus se desnorteara. Nenhum sinal de Deus, do Espírito Santo. Era apenas ele e Eleonora. Ou melhor: era apenas Eleonora. Indagava-se continuamente sobre o paradeiro de seus discípulos, em vão. Percebeu que todos decidiram imitar o triste final de Judas. Nas árvores, tornaram-se galhos, intermediados por uma corda. A facínora Eleonora sentia medo. E um sentimento de vingança, talvez. Convivera uns meses com Lúcifer, cujo amor era a bateria de seus dias descarregados. Mas o anjo renegado possuia outras metas, outros sonhos que divergiam completamente e em nada tinham relação com a, até então, menina. A displicência infernal criou em Eleonora desconfiança e medo, além da permanência de um amor ensanguentado. Não confiava em palavras afetivas, gestos simbólicos, nada. Sempre na retaguarda, qualquer indício de aproximação sentimental era desviado pela frieza da, agora, mulher. E, sim, respirava medo. Quando teria, novamente, aquele brilho nos olhos que tanto a fez agradecer ao Senhor pelos minutos que deslizavam sorridentes? O medo da solidão transformou Eleonora no que hoje ela é. Caberia a Jesus julgar? Não mais.

O filho do Homem maquinava na mente o caminho menos sofrível. E nenhuma, nenhuma das opções aceitavam a ausência de Eleonora. Eleonora era o antídoto. Sem sua dose diária, o planeta sofreria as consequências de um segundo sacríficio de Cristo, dessa vez na calada. Nem discípulos, nem relatos bíblicos para tornar belo o ato do rapaz de 33 anos. Agora, a realidade seria crua e corrosiva. Porque não há beleza alguma em morrer por amor.

terça-feira, 21 de abril de 2009

No acting, just living.

deixa as cortinas se abrirem
que o mundo é espectador

e todo mundo é espetáculo.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Ioiô.

Enclausurado no silêncio, observo vidas aproximarem-se à minha. Turistas ansiosos, cuja curiosidade esbarra na invisível capa isolante que envolve meu corpo. Tudo chega, nada estaciona. E eles julgam ser de propósito, minha vegetação. Peço licença e repito: não é por mal. Batalho, diariamente, contra o escudo ulceroso. Tento imobilizá-lo, jogá-lo ao chão, mas me falta a determinação de Davi. Não sei. Talvez o mundo definhou minhas pernas, dilacerou meus joelhos. São tantos os devaneios, Céus, que minha cabeça tornou-se chumbo. Há algum nexo nesses códigos que transcrevo? Precisa ter? Já não me adianta a compreensão das coisas. Não me entendam, é desnecessário. Imprescindível é criar, expor, pôr. Me refugio por cá, então.
Quis reencontrar meu pai. Conversar com o homem que me tornou possível habitar esse abismo ensolarado seria, talvez, simplificador. Uma cerveja nunca desceu tão nauseante. O embaraço daquelas conversas improdutivas me fez desejar extinção à humanidade, à natureza; quis ser Deus para optar por não criar essa galáxia. Não tenho pai, descobri hoje, mais do que nunca. Será que eu, ao ter filhos, serei pai? Não quero ser herói, Batman e Wolverine desempenham bem suas funções. Só desejo ouvir um dia, da boca de um filho meu, alguma frase simples, guardada num frasco, mas que me comprovem o cumprimento da missão. “Você é um pai do caralho”, só. Descarto ‘eu te amo’s, às vezes inibe. Até palavras, se não forem necessárias, podem permanecer trancadas. Apenas gostaria de ter certeza, uma única vez na vida: a de ter sido um verdadeiro pai.

Nunca, nunca imaginei o rumo que minha estadia tomaria com o andar do relógio. O desajustamento dos sentimentos em sigilo, o medo da voz, a insipidez noturna. Eu, mosaico desorganizado, incompleto, que grito mais do que qualquer homem morto, fui, um dia, diversão. A vida leve flutuava no parque da escola. Meu único anseio reservava-se ao tamanho do escorrego. Era tão grande, mas eu também era. Então o enfrentava, sem receio de descompassar e cair de cara na areia. E se caísse, sorriria sujo. Porque nada se equiparava ao vento massageando meu rosto, alegre, agradecendo à gravidade. Hoje o vento necrosa. Perdi a afeição por declives e tenho nojo absurdo de qualquer terreno arenoso. Isso deve passar com o tempo, não é? Deve passar. Ninguém sobrevive, por muito tempo, com infecção no membro amputado. A medicina evoluiu. Isso há de sarar.

domingo, 12 de abril de 2009

Bridges of Madison County

E a chuva varria os resquícios da tua presença
Dividindo nosso rio em dois, de fluências contrárias
Sem embarcações, sem animais
Só água, e vento.

Compreendo-te, porém. Os cabelos brancos não são assim por vaidade; é o preço das responsabilidades e dos deveres que são incumbidos a nós ao longo do caminho. Filhos, casa, empregos. A idade já não nos permite relegar tudo isso. Morro, mas compreendo. E até o dia em que a lucidez de mim se cansar, recordarei, com sorrisos, nossos grandiosos pequenos momentos em Madison County.

terça-feira, 7 de abril de 2009

Deserto ilhado.

O sol destilava as preocupações da noite anterior, quando Becky sentiu, nos ombros, os cautelosos dedos do homem da máscara. Surpresa e assustada, a garota britânica forçou um doloroso sorriso e perguntou em que poderia ajudar o longervo cidadão mascarado. "Teu hímem tem ímã", vociferou com dificuldade e, centuplicando o absurdo do momento, arrancou dos bolsos um preservativo aparentemente usado e jogou-o aos pés da paralisada Becky. A imigrante, mais estrangeira do que nunca, em diáspora, rumou ao comércio mais próximo, onde fez chover dos olhos. Despercebida, a adolescente acalmou-se o suficiente para deixar o estabelecimento e buscou, só com o olhar, qualquer sinal do pervertido sem face. Para seu alívio, a cênica figura desaparecera.

Em casa, o uísque falsificado em nada ajudava no esvaziamento de sua mente. Nunca havia se sentido tão só, e o convívio consigo mesma nulificava qualquer esperança de dias melhores. O pai só retornaria ao sábado e, por algum motivo, Becky não desejava ouvir sua voz. Preferiu a mudez escura do quarto, onde, sentada no chão, inundava a visão com lágrimas e álcool. O ponteiro do relógio agonizava lentamente. Um, dois, dois e meio, dois de novo, três...nada permanecia retilíneo. O corpo, então, entregou-se ao desgasto e Rebecca, estilhaçada, adormecia.

Tornou horas depois, tão vazia quanto o estômago. Visitou a geladeira, degustou algumas frutas e tentou escrever algo para o trabalho da semana seguinte. Apesar de admirá-lo, Marx não despertava sua literatura. Mandou-o à merda duas vezes e sua dialética três. A ideia de ter que encarar a universidade na tarde seguinte fez toda bebida, ingerida pré-sono, abandonar seu corpo, encharcando os rascunhos e alguns de seus cds. Não acreditava como um único dia poderia ser assim, tão dilacerante, tão filho da puta. Omitiu a ojeriza e resolveu caminhar na praia. A areia úmida folgou as correntes nos seus calcanhares. Fingiu ser livre. O acostamento, quase desabitado, atraiu aqueles passos itinerantes.



Os pés corriam, ainda que descalços.

domingo, 5 de abril de 2009

The not-rolling stone.

Eu pensei que
ao matá-los
a coragem enterrada em todo ser humano ressucitaria em minh'alma
e eu viraria, mesmo tardiamente, ser vivo.

Continuo pedra, e vos peço perdão.

quinta-feira, 2 de abril de 2009

oco.

































sem eco.

terça-feira, 31 de março de 2009

É, Marte. Fica por aí mesmo.

Sustentáveis, só os fuzis. O cheiro proveniente dos campos é inconfundível. A areia ensanguentada, a pólvora, os excrementos, os cadáveres, tudo liquidificado em uma só cavidade. As folhas, mortas também, deslizavam em uniforme. Nada, na guerra, tem vida. Os gritos não comprovam a existência de vida, mas sim sua ausência.

Numa rara tarde, enquanto sentia pingos de chuva em minha nuca (ou eram de sangue?), me deparei com algum tipo de magnólia, enraizada naquele terreno arenoso, observando, na sua solidão, os feridos que por ali passavam em direção à enfermaria. Pensei em colhê-la, mas preferi deixar intacto. Talvez, dali, ela pudesse florescer, nos corações humanos, a serenidade necessária para um convívio em paz.

Minutos depois, fomos atingidos por uma bomba. Escapei por pouco. Ao me virar, percebi que o explosivo tinha caído exatamente nas proximidades de onde a flor se encontrava. Voltei, desolado, ao meu posto. Nossa artilharia já entrara em combate, em seguida seria minha vez. Disparos confundidos com berros. Companheiros desmembrados, inimigos implorando por ajuda.

E eu, da trincheira, avistando a tal liberdade.

quinta-feira, 26 de março de 2009

O texto mentiroso

O funambulismo que é te ver
instável, sem chão
fez do desequilíbrio minha rotina
descortinada, apenas, nas madrugadas de sangue
que é quando as angústias tornam-se rios
salgados de dor, da inércia
da completa ausência de sons e movimentos

Porque eu falo, mas sou mudo
que apenas profere futilidades
sobre o show perdido
ou o assunto da prova
mas o assunto martirizante
cuja prova sei de cor
não vem à tona

Quanta tempestade, meu Pai, faço dessa goteira
é só deixar as cordas vocais trabalharem, instruídas pelo peito
Grita, coração sem alma!, estronda o mundo com teu fervor congelado

Eis, aí, a dificuldade extrema
Porque o último filme de Eastwood discuto com segurança
Comicidades diárias, comento brincando
A boca, entretanto, se auto-costura
quando, da mente, frases com teu nome ameaçam fugir do meu controle
o túnel é interditado.

Ainda tento, com os olhos, expressar o indizível
Sem resultados; retina estúpida!
O que me resta? Me resta a vida
a ser vivida amarguradamente
sem tua epiderme na minha

Descarrega, morena, o revólver no meu peito
sem dó, sem hesitar.
Em seguida o abra e, atenta, recolha o bombardeante músculo
e guarde, morena
porque, um dia, ele te conta
por quem ele insistia em bater.

sexta-feira, 20 de março de 2009

Aquela velha história.

Saudade do que não tive
Do gol na final em que não joguei
Do filme de um roteiro imaginário
Saudade do esquecimento

Porque, ao lembrar da vida, como ela realmente é, me afundo em concreto.


"Era uma vez, a história de um homem que nasceu, viveu e morreu feliz. Mas lembrem-se: os fatos narrados a seguir são totalmente fictícios. O homem se chamava..."

terça-feira, 17 de março de 2009

Alcoolemia

Primeira dose;
O silêncio dúbio
Minha traquéia em terremoto
O aquecimento no globo ocular dela
Tudo girava, parado

Segunda dose;
Contos de um passado nebuloso
Risos avermelhados
O bloqueio desfeito
Tudo girava, andando

Terceira dose;
Da sala ao quarto
Minhas mãos fuçadoras, surfando nas suas ondulações capilares
Frutificando seus lábios de morango
Tudo girava, correndo

Quarta dose;
O travesseiro no chão
A gente no teto
A paz mundial
Tudo girava, explodindo

É, a alcoolemia faz milagres.

segunda-feira, 16 de março de 2009

Anti-Herói Americano

A metalinguagem é um artifício constantemente utilizado nas narrativas cinematográficas. Desde clássicos fellinianos - por exemplo - a produções mais recentes (Adaptação, de Spike Jonze, é, talvez, meu favorito). O "filme dentro do filme" é, se bem manejado, um eficaz instrumento na elaboração e na prática da sétima arte. Por achar prazeroso ter a oportunidade de conhecer e entender um pouco mais sobre o fazer cinema, obras metalinguistícas sempre me atraem.

Adaptado a partir da série de quadrinhos American Splendor, Anti-Herói Americano retrata a vida e obra de Harvey Pekar (Paul Giamatti), autor das publicações acima citadas. Harvey trabalhava como arquivista em um hospital. Quando conheceu Robert Crumb (James Urbaniak), amante e escritor de graphic novels, percebeu a necessidade de criar suas próprias histórias. Mas, diferenciando-se dos demais, Harvey pôs nos gibis histórias de seu dia a dia em sociedade. Histórias sobre suas angústias, alegrias, frustrações. Diálogos e personagens reais que o autor reproduziu em diversos quadrinhos (ilustrados por outros artistas, já que Harvey, como o mesmo afirma, não consegue desenhar uma linha reta), cujo sucesso resultou em idas ao Late Night, de David Letterman. Apesar da maior visibilidade, Harvey permaneceu no underground literário, o que desencadeou inúmeros acontecimentos que são magistralmente "lidos" nesse filme.

Lidos por que todo o filme é contado "em forma" de gibi. Cenas com títulos, as figuras interagindo com os atores; todo o universo ilustrado nas obras de Harvey é trazido fielmente às telas. A narração em off, feita pelo Harvey real, é totalmente adequada (se ele conta suas histórias nos gibis, por que não contar suas histórias em seu filme?) e pode ser vista, também, como uma crítica aos que desprezam a presença da voz "guia". Ver, no filme, as pessoas que originaram aqueles personagens é algo interessantíssimo. A cena em que os reais Toby e Harvey conversam, enquanto os atores que os interpretam ficam em segundo plano, está impecável. Shari Springer Berman e Robert Pulcini dividem a direção - e o roteiro - com plena segurança e criatividade. É clara, mas sutil, a opinião dos diretores na fala de uma antiga colega de faculdade de Harvey, quando a mesma, comentando sobre um livro, diz que a obra "não tem aquele final feliz de Hollywood. Mas é verdadeiro, o que é raro hoje em dia".

As atuações extraídas do elenco são igualmente aplaudíveis. Paul Giamatti está sensacional como Harvey. As cenas em que o personagem aparece com a voz comprometida demonstram a capacidade cômica da ator - que também brilha nos momentos dramáticos. Hope Davis retrata otimamente a esposa de Harvey, Joyce Brabner, e Judah Friedlander faz o público rir interpretando o nerd assumido Toby Radloff, amigo do autor. A disponibilidade dos verdadeiros personagens também é digna de mérito; nem todos exporiam suas vidas como eles fizeram.

Um filme que exala metalinguagem, nos fazendo refletir sobre o próprio cinema e, fundamentalmente, sobre o viver, sobre as pessoas, sobre o filme dentro da vida de cada um e suas direções, roteiros e montagens. Uso, aqui, as palavras de Charlie Kauffman em Sinedóque, Nova York: "Há milhões de pessoas no mundo. E nenhuma delas são figurantes. Todas são protagonistas de suas próprias histórias". Apesar de a mídia enaltecer, por razões óbvias, o american way of life, minha (nossa) vida, simples e sem flashes, é, sim, tão importante quanto a do mendigo da esquina e a da modelo do ano. Posso não ter a atenção social recebida pela modelo, mas é a partir da minha vida "despercebida" que evoluirei como humano. E é nessa despercepção que amamos, choramos e rodamos, diariamente, nossa autobiografia.

sexta-feira, 6 de março de 2009

Estaticidade pós-vômito

"...Quanta urgência nesse sentimento!
Urgência de inverter a rotina, de inovar na narrativa da vida
sair nu, ir à lua
Por que eu não posso ir à lua?
Eu, carnal, eu que defeco, urino
também faço a barba
rala, no ralo
permaneço, e vejo
o sol que, ao invés de clarear as mentes, arde e queima a carcaça
junto à fumaça que embaça a vista
Santa vista!
melhor ser cego, nada à vista
simplesmente ouvindo o mutismo no ar
Mas vejo, tenho missão
Qual minha missão?
Esqueci o manual, suas instruções
e não pretendo encontrar
Porque eu não quero dizer bom dia
na chuva, na neve, no deserto, no crepúsculo, no almoço
não me importa onde, quando, como ou para quem

Eu apenas não quero dizer bom dia."

Completamente despido, senti o frio confuso do silêncio dos olhos de Alice. Nada pulsava. Nem a lágrima que arriscava me escapolir ousou se mover e conteve-se, contrariada, aos cílios. Eu estagnara o universo.

domingo, 1 de março de 2009

Do me Go

xingo
a mãe do zagueiro inexperiente
o gordo do relógio gordo
e até as gargalhadas, sucedidas de "que merda!"

gingo
pra lá e pra cá
exortando mãos inertes
cansadas de pensar
sob à luz da noite
sobre linhas futuras

vingo
num destes dias
o frio dos da rua
com fogo branco
na mente dos adormecidos

gringo
devo ser
pra me sentir assim
"lost", "allein"

pingo
do vinho de ontem
não mais se vê
nem a chuva,
hoje, quer descer

flamingo
beija-flor, gavião, qualquer um
eu seria, pra voar
aterrissar, e voar

nem a porra do bingo
de tio Beto
valendo uma Smirnoff
pra ganhar.
por quê?

porque domingo
meu chapa
é sempre domingo.

segunda-feira, 23 de fevereiro de 2009

*

As cinzas da próxima quarta-feira estarão mais reluzentes que em eras anteriores,
e as pontes
as pontes jamais serão as mesmas.

Haja pé e coração.

terça-feira, 17 de fevereiro de 2009

O Lutador

Fracasso. Possivelmente uma das palavras mais fortes em nossa gramática e que mais tememos um dia acontecer em nossas vidas (ao lado de 'guerra' e 'casamento' - a segunda foi só para descontrair, ok?). Pode ser definida como "não conseguir atingir um objetivo, uma meta; oposto de sucesso". O cinema norte-americano - e a mídia, de modo geral - costuma exaltar os 'winners', pessoas que ascendem socialmente (ou afetivamente). Dá mais audiência a trajetória vencedora de um Robinho do que a tragédia familiar do mendigo da esquina. E quando, vez ou outra, retratam o sofrimento alheio, os meios de comunicação apelam para a dramatização, espetacularização da vida real. É raro, portanto, obras tão tocantes e verdadeiras como "O Lutador" de Darren Aronofsky.

Randy "The Ram" Robinson (Mickey Rourke) é um famoso e prestigiado lutador dos anos 80. Vinte anos após seu ápice profissional, Randy já não mais se encontra no topo (apesar de contínua popularidade) e, ao término de um intenso embate, sofre uma parada cardíaca. Os médicos o diagnosticam e aconselham o pugilista a abandonar os ringues. O conflito pessoal de Randy é demonstrado com competência pelo diretor estadunidense. Observe como a câmera de Aronofsky acompanha Rourke sempre por trás, similar às entradas dos lutadores nos ringues, o que intensifica a idéia das "lutas" diárias do personagem. Dignas de aplausos, também, são as cenas dos combates, altamente bem filmadas e de um realismo pouco visto em produções do tipo. Por diversas vezes, me questionei: "Cacete, Rourke fez isso mesmo ou a caracterização dos dublês foram, assim, tão perfeitas?". Mas sabendo do histórico de Mickey, na vida real, como boxeador, creio ter sido ele mesmo a realizar os golpes.

Mickey Rourke que, diga-se de passagem, está absurdamente impecável. Apesar das semelhanças na carreira de Randy com a do próprio ator nova-iorquino (auge nos anos 80, posterior decadência. O que faz muita gente afirmar que Rourke se auto-interpretou), a atuação obtida por Rourke é merecedora dos prêmios recebidos até então e dos que possivelmente virão (Oscar). Com a respiração sempre ofegante, o ator cria um Randy desgastado físico e emocionalmente, cujo olhar angustiado revela os abalos de um caminho marcado por dores corporais e da alma. A cena em que Randy manifesta seus sentimentos à filha, tentando reatar os laços rasgados pelo tempo, eterniza, de maneira sensacional, o trabalho realizado pelo ator. Também indicada ao oscar, Marisa Tomei brilha no papel da dançarina Cassidy-Pam. Deixando muita menininha no chão, Tomei mostra toda sua sensualidade "quarentona" com um corpo estonteante (além de sua usual eficiência dramática). Um papel corajoso que poucas, indicadas ao oscar e bem-sucedidas como Tomei, aceitariam. Por fim, Evan Rachel Wood interpreta a filha do lutador, Stephanie, com surpreendente intensidade. Presente nas melhores cenas do longa, Rachel Wood alcança a melhor atuação de sua carreira e prova que, escolhendo os projetos certos, tem tudo para se tornar uma das melhores atrizes da sua geração.

O roteiro de Robert D. Siegel explora na dosagem certa todas os sentimentos em choque no universo de Randy. A cena em que Randy chama um garotinho para jogar nintendo mostra, com grandiosa sutileza, a solidão vivida pelo personagem. O declínio e a irreversibilidade temporal é exposto de forma mais aplaudível na "tarde" de autógrafos, onde o diretor também tem enorme mérito ao enfocar as "cicatrizes" dos veteranos lutadores, como a bengala e a cadeira de rodas de dois dos presentes. A importância que o atleta dá à sua imagem de lutador é lembrado acertadamente pelo roteiro, nas cenas onde o personagem insiste em ser chamado de Randy, seu nome "artístico" (Robin é seu nome de batismo), e quando o mesmo se "embeleza", tingindo o cabelo e bronzeando-se artificialmente.

"O Lutador", portanto, se revela de uma beleza única, delicada e raramente vista em filmes norte-americanos que abrangem temas como o fracasso, o insucesso. Ainda não pude assistir à "Milk", filme por qual Sean Penn recebeu indicação ao oscar desse ano (e que é, creio eu, o maior concorrente de Rourke na premiação). No entanto, seria uma injustiça imperdoável Rourke não levar a estatueta para casa. Penn já foi lembrado por "Sobre Meninos e Lobos", com todo mérito. Consequentemente, aposto que, em 2009, pela conturbada trajetória profissional e por sua atuação extraordinária, a academia presenteará Mickey Rourke por seu lutador "auto-biográfico". Que minha aposta se concretize.

sábado, 14 de fevereiro de 2009

Help me, Scofield.

Desatarraxei-me de teus braços, apenas.
Desisti por um segundo e fossilizei tua imagem ao nada.
Incinerei teus lábios, sim. Mas o vento trouxe de volta à minha cama tuas cinzas lapidadas
vermelhas de paixão e dor
dor do nascimento, paixão de morrer.

Ri de tanto chorar, revivendo as pinturas
da casa dos nossos sonhos, da vizinha inconveniente
dos risos, dos não's.
Como me divertia, observar teus dedos cedilhando "aterrissar"
soldando-se aos meus, digitais com digitais
sem impressões de outrem.
Somente eu e você.

Acordar era fácil; difícil, hoje, é dormir.
Hoje, desflorestado, qualquer indício de serenidade me traz teu aroma
e, levitando, saboreio a leveza da minha ilusão.

Que insustentável cruz carrego no peito, Deus
essa cruz de madeira ruiva, olhos vagantes e conciliáveis abraços
que metralham minha existência a 734 km de distância.
Bicicleta só se move com duas rodas, e, apesar da palhaçada do cotidiano, eu não utilizo monociclo.

Minha prisão é perpétua; e gosta de sorvete de morango.



É, parece que o lado coca cola da vida restringe-se aos 'criativos' publicitários e aos seus atores, uma vez interpretando.

domingo, 8 de fevereiro de 2009

Huge Joy.

Surreal. É, talvez, a palavra mais adequada ao show de Little Joy, em Recife, no último sábado (07). Se testemunhar Rodrigo Amarante e Fabrizio Moretti dividindo um palco de maneira tão íntima já seria algo inimaginável há alguns anos, presenciar o inesperado final da apresentação no teatro da UFPE foi, realmente, memorável. Já chego lá; comecemos do começo.

Cheguei ao teatro por volta das 19:30 e me direcionei à pequena fila que havia sido formada na entrada do local (os portões abririam às 21). Esporadicamente, os seguranças, por razões desconhecidas, entreabriam os portões que dão para o palco(onde a banda passava o som), causando delírio nas fãs mais 'entusiasmadas'. Era o prenúncio. Sem largos atrasos, liberaram a entrada dos espectadores e a ânsia pelo lugar mais perto do palco aos poucos foi se acalmando e os milhares acomodaram-se em minutos. Conhecedor da "política" do teatro e de seus frequentadores, sentei numa cadeira lateral às demais - mais próxima à escada -, pois tinha ciência que, ao apagar das luzes, não teria essa de ficar sentadinho. Não deu outra. Bastou escurecer o recinto e a banda subir ao palco para que algumas dezenas de pessoas se alojassem - sentadas, agachadas, ajoelhadas - ao pedaço de chão mais próximo do palco.

Mesmo abrindo o show com a pacífica "Play The Part", o êxtase presente nas poltronas não atenuou um segundo sequer e a platéia acompanhou Amarante mais aos gritos do que com a letra em si. Ao término de "The Next Time Around" - ou "How to Hang a Warhol", não lembro bem -, Moretti proferiu: "Esse, infelizmente, é o último show da banda. Portanto, quem quiser cantar, dançar, subir no palco com a gente...", e foi interrompido pela agitação que preludiava o porvir. "Calma, calma. Deixa a gente tocar algumas músicas e depois...", prometeu Moretti. Em "No One's Better Sake", Fabrizio chamou uma garota que vestia uma camisa da banda, cujo logotipo ela mesma tinha confeccionado. A menina permaneceu durante a música no palco, cantando ao lado de Fabrizio. No final, após cumprimentar todos da banda, tornou - meio desnorteada - ao posto de espectador. Já com o público de pé, o grupo continuou a apresentação com a encantadora "Unattainable", que me fez ter vontade de invadir o palco, encapuzar Binki Shapiro e levá-la pra casa. Me contive. Antes de "Don't Watch Me Dancing", um rapaz na platéia gritou STROOOOKES, PORRA! Educadamente, Fabrizio questionou "what about Little Joy, man?". Doce como de costume, Amarante riu e afirmou: "veio pro show errado, cara". Já tinha valido o ingresso. Entre músicas novas, um cover e as restantes do cd, a banda se despediu. Mas ainda faltavam duas. Após uns minutos, Amarante volta ao palco para, sozinho, cantar "Evaporar", com um coro quase pleno. Emocionante.

Os demais integrantes retornam e penso: "porra, é agora". Só restava "Brand New Start" e, se Moretti mantivesse a promessa, a hora de subir no palco tinha chegado. É quando o "stroke" pega o microfone e diz: "Bem, essa é nossa última canção. A gente agradece a presença de vocês e quem quiser dançar, subir pra dançar com a gente...peraí, peraí... fodeu". Em segundos, o palco foi tomado por inúmeros fãs da banda (inclusive pelo que vos escreve). Seria tudo sensacional se fãs adolescentes histéricas não tentassem, de qualquer modo, tocar, beijar, arrancar, puxar os integrantes (leia-se Amarante e Moretti) da banda. Amarante tentava salvar o equipamente dos pés incontroláveis das fãs e Moretti, apesar do frenesi, iniciou "Brand New Start", posteriormente assumida por Amarante; porém, sempre interrompida pelo empurra-empurra dos seguranças vs fãs. Uma pena, já que não deu pra desfrutar completamente de uma das melhores músicas do cd. Os seguranças (da banda ou do teatro, não sei) extrapolaram na rigidez física, já que a maioria presente eram adolescentes alucinadas. Estavam realizando seus trabalhos, claro. No entanto, poderiam suavizar nos empurrões e gritos de "SAI DAQUI, PORRA!". Enfim, elementos que abrilhantaram o final de show mais bizarrro presenciado por meu ser. Nem o mais utópico dos fãs julgaria ser possível o que aconteceu no fim da apresentação. Infelizmente, a falta de civilidade de alguns (ou melhor, de algumas) não permitiu o melhor dos desfechos. Mas nada que tire o esplendor de um dos melhores shows da minha vida.

Ah, se toda pequena diversão fosse tão grandiosa...



ps: foto by Aline. :)

sábado, 7 de fevereiro de 2009

Ressalvo:

A ladeira bateu no teto e virou elevador.
E a luz, a luz é auditiva.

quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Itself.

- Damn, I should drink somethin'.
- Drinking will not solve your inaction, sweetheart.
- Fuck you, Margareth! You're in no position to judge my behavior, look at yourself! A fucking stupid latina cleaner that suck her boss just to double the payment.
- At least I DO something, your statue. Do you think I enjoy sleeping with Rolfie? You're wrong, he's cantankerous! But I have to support four children, who have nobody in this disgusting world, but me. I do it for them. But you, Gary...you're only eighteen, for Christ's sake! You have a whole life to live, boy, and you stay in a fucking bar, waiting for some Santa Claus of love to bring you a little warm Lolita who likes Allen and the Coen's.
- Nice argument. You could make money giving some of these advices to fucked people that don't know themselves. But I know who I am and what I feel, and you have no idea.
- So tell me, Gary, how do you feel inside? Explain to me what these afflicted eyes hide and I'll never bother you again with my useless words.
- Have you ever heard about locked-in syndrome?
- Yeah, sure.
- It's how I feel. I see people, hear people, but I simply can't interact the way I want to, I need to, to fill the emptiness. I simply can't say those cute phrases to those beautiful girls you've been watching for a while. The words stay stuck in my throat and then I swallow them back. It's not only about shyness, or insecurity...it's about answers.
- Answers?
- Yes, answers. Answers, results. When you fight for somethin', you need, sometimes, just to balance, positive results to replenish your strenght. Maybe I didn't fight enough in my battles, I don't know. But, 'till today, I look for some result and, damn...can't cite one for you.
- Kid, you speak like a seventy years old man! You're young, pretty, healthy...trust me, life ain't four years of losing.
- Who can say? Eighteen years is a lifetime.
- Indeed. But one month, one week - even a day, why not? - can change all the scenery. You're alive, and it's wondrous. Don't forget to live, my boy.

Margareth kissed my forehead and walk away downstairs. I looked at the window and realized how sunny the morning was. Furthermore, it was time to go home. The day had just begun.

terça-feira, 3 de fevereiro de 2009

Sunny night.

Inerte permaneci. Ela inabilitara minha voz, e, cabisbaixo, os hemisférios debruçavam-se em meus ombros de maneira angustiante, resultando em asfixia.

- Parece que o loquaz moço, cuja excentricidade tanto me chamava atenção, perdeu-se ao longo dos anos que me abstive.

Quanto controle, Deus...

- Pessoas mudam, Emily. Demonstrar por fora algo inexistente por dentro é complicado quando se passa dos 30. Cansa-se. Nunca estive tão cansado em minha vida. O saturante cotidiano de nossas vidas exterminou as frases engraçadas e irônicas da minha mente. Não vejo mais motivo algum para ser como outrora fui. Quer dizer, não via.
- Agora vê?
- Bem na minha frente.

Pela primeira vez, desde seu retorno, Emily não me encarava. As facas e espingardas previamente apontadas à minha face bruscamente foram ao chão após minha resposta. E eu, mesmo desarmando-a, não domei a bela; minhas mãos trêmulas confirmavam isto.

- Não sou mais menina, Kei. Não irei me deslumbrar por qualquer frase treinada em frente ao espelho repetidas vezes.
- Pretensiosa, como sempre...
- Não é pretensão, é enxergar além do óbvio. Vivi o suficiente pra entender que a ventura é efêmera e a dor é roupa; só troca-se o tipo - a razão. Como, depois de nove anos, você tem a audácia de me definir tão importante?
- Porque você é, Ly. Tentar descrever como eu me senti esses anos longe do Brasil ...é difícil. Fui contra minha vontade, você tem plena ciência desde o dia do embarque. E, uma vez lá, eu não pretendia voltar, admito. A tortura do afastamento foi massacrante, mas a devastação que sentia ao ver-te morando com ele era insuportável. Não julgue, foi auto-defesa. Regressar à Ontario talvez me traria, do passado, algo novo. Estupidez. Nove anos em busca de algo inalcançável, acima do Equador. Quisera ser bentônico, isolado de toda insanidade terrestre. Sonhei, certa noite, que estava em um navio luxuoso e, enquanto todos festejam a riqueza(material) daquele momento, eu me afastava lentamente e me via, de repente, encostado à âncora da embarcação. Analisei aquele pedaço de aço por alguns segundos e, com algum esforço, atirei-me mar, agarrado ao equipamento. Desacordei com o choque e, ao tornar, meus olhos encheram-se de águas. Sim, eram salgadas, mas não filhas do mar. Eram minhas e esvaíam-se pelo meu rosto enquanto as luzes e os abraços oceânicos me acolhiam alegremente. Então, eu acordei. E a primeira imagem que me veio à cabeça foi teu sorriso aconchegante, me reconfortando no dia da queda na escadaria do cinema. Chorei por alguns segundos e percebi que, longe de ti, meu mar é só areia.

Com o rosto lindamente encharcado, Emily me abraçou e fizemos amor por indetermináveis horas. O sol reaparecera e iluminava suavemente o castanho dos seus olhos. O trem havia voltado aos trilhos.

sexta-feira, 30 de janeiro de 2009

Back to the concreteside

The playground is closed. Era uma vez a mamata regida à sol, areia, cama e viuvinhas. Voltar à ativa a partir de segunda-feira. Confesso que tô sentido falta do frenesi diário das aulas na faculdade. O ócio (palavra que compete com Jonas Brothers ao cargo de moda juvenil mais gritante de todos os tempos da última semana) desgasta e faz-se necessário o compromisso. Viver descompromissado com o relógio é fazer de conta. Mas, guardo os fogos de artifício pra depois do carnaval, que é quando o boi é solto na arena. Carnaval...

Eu não consigo redigir o que muitos afirmam quando estufam o peito e dizem: "o carnaval já foi bom". Quisera ter a oportunidade de entrar no DeLorean do Dr. Emmett Brown e regressar à época das marchinhas e dos tempos em que as melancias não se sentiam ofendidas. Aí, eu exprimiria uma opinião balanceando as duas fases. Subjetivamente, não sou fã do carnaval moderno. Acho apenas a desculpa mais longa para tomar aquelas e deixar a responsabilidade na mão do feriado, já que "tudo pode, é carnaval". Mas não discrimino, defendo. O que são cinco dias comparados aos demais ao longo do ano, cujos problemas festejam e mantêm-se permanentes nas vidas dos companheiros e companheiras brasileiros? E já que a Copa do Mundo é apenas de quatro em quatro anos e a seleção não faz milhares subirem, ensandecidos, as ladeiras históricas de Olinda, deixem os carnavalescos aproveitarem. A alegria magnetiza a multidão e é bonito ver que, apesar das merdas cagadas que não voltam ao cu (salve, Cláudio Assis), nós, quando guiados por bons sentimentos, conseguimos criar coisas únicas.

Mas o quadro se quebra quando, na esquina, o cabra põe a ferrança na tua testa e leva tuas calças. Pode ter diminuído, mas ainda acontece e muito. Uma persistente mancha que eu sonho ver dissipada algum dia, algum mês, algum ano, não só nos carnavais, mas no cotidiano social. Dreaming boy...

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Em nada deu nadar.

Eu nadava. Nadei por meses, em mares cujos ventos sopravam descompassadamente em direção ao fundo. A ingênua esperança de encontrar um travesseiro, vertebrado e carinhoso, fazia com que cada gotícula daquela imensidão ilhada me levasse nos braços e evitasse meu imperceptível naufrágio. Em vão.

Eu afundara. O empenho da busca foi derrotado pela ausência de resultados significativos que permitiriam-me dizer: hoje, eu tenho onde descansar. Tenho repouso de graça e minha outrora insustentável cabeça esvazia-se calmamente sem necessitar de permissão. Mas, não. Nenhum travesseiro vertebrado me convidou para o seu lar, não se interessou por minhas aflições e nem sequer chamou os amigos lençóis para um chope conosco.

A carne, então, enfraquece. E as moscas pressentem.

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Let me tell ya...

The graceful laugh preceded a notable affliction in her voice. Jamie had to go. I didn't understand the way my stomach sang, somethin' close to Tom Waits singin' in an unexplainable rhythm. "God, it was only a weekend, why do I feel like this?", I asked to myself. Or to God, I don't know. I couldn't think in nothing, but Jamie. The gone Jamie, my sweetest relationship.

I forgot how to play my guitar. I simply couldn't play one fuckin' stupid song, my fingers became ten robots that only obeyed to the cellphone. "Should I call her? She'll get married, it's foolishness!", and I hesitated. Then, I became sleepless. The hours seem ages, everything was in slowmotion. Me, Benjamin Turner, the intolerant piece of shit from Leicester couldn't appreciate the pleasure of sleep because of some irresponsible spanish redhead. What lips...

Ironical. Yeah, I guess that's how life really is. I tried everything. Gym, part-time jobs, porn, hookers, books, movies and every possible way to fall sleep. But I was blindly fallen in love. Every word started with "ja" and ended with "mie". So, in a rainy november night, a magnificent image invaded my street. I didn't have my glasses, but I was pretty sure: red is a stunning color.